Archive for ‘Luta antinuclear’

30/09/2021

Os recordes de falhas na energia nuclear – Linda Gunter

Artigo publicado em 24 de setembro de 2021 no site norte-americano Contraponto (counterpunch.org).

A leitura deste artigo é recomendada a quem queira ter informações concretas sobre a realidade do nuclear nos Estados Unidos, um dos países que têm, em seu território, mais chaleiras radioativas para produzir a eletricidade, e onde essa opção energética está em franco declínio. As informações trazidas no texto são um real “contraponto” às inverdades que os promotores do nuclear difundem no Brasil, ao dizerem que a opção nuclear está em expansão no mundo. Ele apresenta o que aconteceu com várias centrais nucleares dos EEUU como, entre outras, a de Watts Bar, no Tennessee – que levou 42 anos para ser construída e ser colocada em operação um ano depois, e com a de Bellefonte, no Alabama, que foi posta à venda 47 anos depois de ser iniciada sua construção, que consumiu 5,8 bilhões de dólares. E cita um artigo que diz que a tecnologia dessas centrais é a forma de ferver água mais cara que já foi concebida, e que seu projeto não é realmente confiável quanto ao que elas vão custar e quanto ao tempo que vai tomar sua construção.

 A Autoridade do Vale do Tennessee (TVA) poderia provavelmente reivindicar legitimamente um lugar no Livro dos Recordes do Guinness, mas não seria por um feito pelo qual essa corporação federal de serviços de eletricidade acolhesse com agrado a notoriedade.

Ao demorar 42 anos para construir e finalmente colocar em funcionamento o seu reator de energia nuclear Watts Bar Unidade 2 no Tennessee, a TVA bateu seu próprio recorde de maior tempo de construção de centrais nucleares. Desta vez, no entanto, a empresa não conseguiu entregar uma central nuclear inteiramente concluída.

O Watts Bar 2 chegou ao ponto de poder funcionar em maio de 2016, mas logo parou devido a um incêndio num transformador, três meses mais tarde. Ela alcançou finalmente a condição de plena operação em 19 de outubro de 2016, tornando-se o primeiro reator dos Estados Unidos a entrar em funcionamento comercial desde 1996.

Agora, quase cinco anos mais tarde, a TVA anunciou que tinha abandonado a construção de reatores em sua central nuclear em Bellefonte no Alabama, impressionantes 47 anos após o início da construção.

A TVA estava aparentemente feliz por sair do negócio da construção nuclear, porque, como relatou a Chattanooga Times Free Press, a empresa “não via a necessidade de uma tão grande e dispendiosa fonte de geração”. Não brinquemos!

Ironicamente, este é precisamente o argumento utilizado para fazer avançar as energias renováveis, num ambiente energético que não pode e já não vai suportar geradores termoeléctricos inflexíveis, de grandes dimensões, que são completamente impraticáveis nas próximas redes inteligentes, assim como nas condições induzidas pelas alterações climáticas.

Consequentemente, a TVA aceitou de bom grado as ofertas de um comprador para Bellefonte – a empresa imobiliária Haney – cujo diretor, Frank Haney, ganhou a sua própria notoriedade oferecendo 1 milhão de dólares ao advogado do ex-presidente Trump, Michael Cohen, possivelmente para conseguir, como sugeriram reportagens na mídia, favores na regulamentação de seu novo brinquedo nuclear.

Mas quando a TVA anunciou no mês passado que tinha sido retirada sua licença para Bellefonte, Haney recebeu de volta o seu adiantamento – no valor de 22,9 milhões de dólares mais juros. A própria TVA tinha gasto pelo menos 5,8 bilhões em Bellefonte ao longo dos 47 anos, o que incluiu longas paradas, antes de finalmente conectar a corrente.

Este tipo de colossal desperdício de tempo e dinheiro em projetos nucleares fracassados é, certamente, a melhor contestação dos mitos criados na imprensa sobre a necessidade da energia nuclear e seu “baixo teor de carbono”, uma afirmação enganosa usada para defender a inclusão da energia nuclear na mitigação das mudanças climáticas

Na realidade, a história do desenvolvimento da energia nuclear nos EUA ao longo dos últimos 50 anos, além de lamentável não passaria despercebida em qualquer plano “normal” de negócios. A forma como a indústria nuclear se livra disso continua a ser desconcertante.

Como disse Paul Gunter no artigo “Para além do nuclear” na Chattanooga Times Free Press, “Bellefonte é apenas o mais recente fracasso desta indústria“, observando que “dos 30 reatores que a indústria planejou construir há 15 anos, com o assim chamado renascimento nuclear, apenas dois estão sendo construídos. (Estes dois, s Vogtle na Geórgia, estão anos atrasados e com um orçamento, mais do que duplicado, de 27 bilhões de dólares).

Como Gunter observou no mesmo artigo, “a TVA tem tido grandes problemas com os custos e calendários previstos para novas centrais nucleares, como toda a indústria nuclear nos últimos 50 anos. A incapacidade de respeitar quaisquer orçamentos para essas centrais é o que tem sido repetidamente a causa da ruina da energia nuclear”.

A energia nuclear é a forma mais cara jamais concebida para ferver água e Bellefonte apenas mostra mais uma vez como esta tecnologia não é realmente fiável ao se projetar o que vão custar centrais eléctricas e quanto tempo se levará para construí-las“, disse Gunter ao jornal.

Isto foi certamente verdade para a Westinghouse Electric Company e a SCANA, ainda envolvidas no escândalo que está sendo desvendado em torno da não conclusão de dois novos reatores na central nuclear de V.C.Summer na Carolina do Sul. Como os executivos da Westinghouse falida e da SCANA, que os assumiu, continuam a enfrentar acusações criminais, a Westinghouse já teve que desembolsar 2,168 bilhões de dólares em pagamento de compensações relacionadas com o desastre da V.C.Summer.

Em agosto, noticiava-se que a Westinghouse seria também obrigada a reembolsar os contribuintes de baixa renda com em torno de 21,25 milhões de dólares. Isto porque os novos reatores foram financiados em parte através de taxas de eletricidade, apesar de nunca terem fornecido um único watt de eletricidade. O custo do projeto em si acabou por se elevar a mais de 9 bilhões de dólares antes de entrar em colapso.

Vejamos o histórico como um todo. De acordo com o artigo da Wikipedia “Lista de reatores nucleares cancelados nos Estados Unidos”: “Dos 253 reatores nucleares originalmente encomendados nos Estados Unidos de 1953 a 2008, 48% foram cancelados, 11% foram fechados prematuramente, 14% sofreram paradas de pelo menos um ano ou mais, e 27% estão funcionando sem ter tido um ano ou mais de parada. Assim, apenas um quarto dos encomendados, ou cerca de metade dos concluídos, ainda estão funcionando e provaram ser relativamente fiáveis”.

A lista impressionante da Wikipedia detalha, na mesma página, quais são os 157 reatores que foram cancelados antes ou durante a construção.

Os enormes custos, evidentemente, fazem a maioria das corporações se afastarem assustadas, salvo a família Haney. Mesmo quando gordos subsídios foram agregados – como para o projeto de 3 EPR em Calvert Cliffs em Maryland – as empresas de serviços públicos relutam. No caso de Calvert Cliffs, a Constellation Energy foi o parceiro dos EUA com a empresa pública francesa EDF. Mas mesmo quando a governo Obama ofereceu uma garantia de empréstimo de 7,5 bilhões de dólares, a Constellation considerou o empréstimo “demasiadamente elevado e oneroso” e desistiu.

Isto deixou a EDF, uma empresa estrangeira, como única proprietária, uma violação da Lei da Energia Atómica. O projeto entrou em colapso, um dos muitos referidos por Paul Gunter como sendo a fantasia de um renascimento nuclear que primeiro se alastrou e depois se extinguiu.

O Presidente Obama com certeza não era amigo do movimento anti-nuclear. Estava tão ansioso por impulsionar novas construções nucleares nos EUA que pediu a inclusão de 55 bilhões de dólares para garantias de empréstimos nucleares no seu orçamento de 3,8 trilhões de dólares para 2011. No seu discurso sobre o Estado da União nesse ano, Obama falou da “construção de uma nova geração de centrais nucleares seguras e limpas neste país“. Completamente embriagado com Ki-suco, portanto.

Tudo isto deveria ser uma mensagem óbvia aos ouvidos surdos de Ben Cardin (D-MD), Sheldon Whitehouse (D-RI) e Cory Booker (D-NJ), os principais evangelistas pró-nucleares no Senado dos Estados Unidos. A lei de crédito para a produção de energia de Cardin tem na verdade a ousadia de descrever a energia nuclear como “emissão zero“, uma mentira que até um funcionário do próprio Cardin foi forçado a conceder que o era, numa reunião recente de que Paul Gunter, por ele convidado, participou.

Isto não vai impedir que a lei avance e quase certamente passe. Tal como os três macacos não-tão-sábios, esses senadores e os seus colegas não reconhecerão nenhum aspecto negativo da energia nuclear, mesmo que sejam postos frente a frente com a terrível ladainha de fiascos e fracassos financeiros da indústria nuclear. Eles seguirão em frente em seu caminho, levando assim ao fracasso o progresso real que eles dizem defender nas mudanças climáticas.

(tradução, sem revisão do autor, de Chico Whitaker) 29/09/2021

02/04/2021

Nuclear e o véu da propaganda enganosa

Publicado também na Carta Capital https://www.cartacapital.com.br/opiniao/nuclear-e-o-veu-da-propaganda-enganosa/

Em artigo na Carta Capital, em 23 de fevereiro último – “Que venham as Cassandras!” , eu disse que está esquentando em Recife a discussão sobre a construção de seis usinas nucleares à beira do rio São Francisco https://senospermitemsonhar.wordpress.com/2021/02/23/benvindas-as-cassandras-chico-whitaker/ E de fato eis que, mal passados 14 dias, a mesma Carta Capital publicou um artigo do sr. Carlos Mariz, um dos participantes, por mim citado, dessa discussão: “O Brasil precisa de energia elétrica estável e limpa”. Por respeito aos leitores desta revista, me vejo obrigado a escrever os comentários que se seguem.

O sr. Mariz é vice-presidente da ABEN – Associação Brasileira de Energia Nuclear. Embora seus estatutos não a definam dessa forma, essa entidade é uma espécie de “capítulo brasileiro” da Associação Mundial de Energia Nuclear, sediada em Londres, que reúne os integrantes do poderoso lobby internacional do nuclear. É natural portanto que em seu artigo o sr. Mariz repita o que diz esse lobby: “No mundo, a energia nuclear continua em expansão”. Ele evidentemente seria afastado de suas funções se dissesse o contrário. Mas isto é o que é afirmado por organizações independentes, como a que elabora anualmente um Relatório do Status da Indústria Nuclear Mundial (WNISR, na sigla em inglês), que diz que a indústria nuclear está “em declínio, lento mas continuo”.

Esse Relatório dá informações importantes sobre a transição sustentada, que está ocorrendo, do nuclear para energias alternativas como a eólica e a solar. Por exemplo, a Alemanha – que começou essa transição há menos de dez anos, um pouco depois da catástrofe de Fukushima – já não terá nenhuma usina nuclear em 2022. E mais, ela deverá fechar até 2038 todas as suas usinas que usam carvão, em benefício do eólico e do solar Na França, país mais nuclearizado do mundo, a eletricidade gerada pelo nuclear nos anos 2000 baixou, em 2019, de 80% a 70%, e deverá baixar para 50% em 2034, com o fechamento de 14 reatores. O Japão, reabriu 9 das 54 usinas que tinha antes de Fukushima e tenta convencer a população – majoritariamente contraria – a reabrir outras. Mas já fechou 8 definitivamente, e está também abrindo cada vez mais espaço para o solar e o eólico.

Por isso o pico das 438 (e não 442) usinas em operação no mundo, alcançado em 2002, já se reduziu a 408 em meados de 2020. E o nuclear tem uma participação em visível baixa na produção de eletricidade no mundo. Ela ainda responde por 10% dessa produção (segundo o sr. Mariz, mas mais exatamente 10,35%), quando em 1996 ela respondia por 17,5 %. E em 2019, as eólicas, solares e de biomassa geraram, pela primeira vez, mais eletricidade que o nuclear. Em Gigawatts de eletricidade produzida em 2019, as eólicas forneceram mais 59 GW, as solares mais 98 Gigawatts e as nucleares somente mais 2,4 Gigawatts.

Uma das razões dessa mudança é a elevação do custo das usinas nucleares, em comparação com os da eólica e da solar: 26% a mais no custo do nuclear na última década, enquanto o da eólica diminuiu 70% e o da solar 89%. Por isso mesmo os investimentos em energias renováveis são hoje 10 vezes maiores do que os investimentos no nuclear. Mesmo a China, que ainda constrói novas usinas nucleares, é o país que mais investe nas renováveis: 83 dos 300 bilhões investidos em todo o mundo. Na verdade, o nuclear deixou de ser um bom negócio: está em discussão na Exelon – maior proprietária de usinas nucleares nos EUA, onde esse investimento é privado – a decisão de não construir nenhuma nova usina nuclear no país.

Mas esses números interessam mais aos que tomam decisões sobre a “matriz energética” dos países. Será mais útilir direto ao ponto crucial para a vida das pessoas: os riscos das usinas nucleares. Até porque o Sr. Mariz parece já ter abandonado, em sua argumentação pró nuclear, o mito de que a energia nuclear é “a forma mais barata” de produzir eletricidade; mas continua fiel aos mitos de que é “a forma mais segura” e “a mais limpa”.

Falar desses mitos me obriga a dizer que chamar essas usinas de “nucleares” é mais um embuste, como se a eletricidade nelas produzida se originasse diretamente da energia nuclear. Elas são simples termoelétricas, em que se esquenta água para obter vapor que, sob pressão, faz girar as turbinas que, estas sim, produzem eletricidade. Nas outras termoelétricas, o calor é obtido com a combustão de carvão, diesel ou gás. Nas nucleares o calor é obtido quebrando-se átomos radioativos – como nas bombas atômicas. Por isso deveriam ser chamadas “chaleiras atômicas”, ou mais precisamente “chaleiras radioativas”. É, portanto, só para a modesta função de esquentar água e empurrar o vapor para as turbinas que foram inventados ultra complexos, sofisticados e perigosos sistemas e circuitos, inclusive para que os “reatores nucleares” em que se quebram os átomos não esquentem demais e fundam.

As “usinas nucleares” foram lançadas pelos EEUU em 1953 no programa “Átomos para a Paz”, que visava assegurar a continuidade da pesquisa nuclear quando o mundo começou a se assustar com as centenas de testes de bombas atômicas. Os marqueteiros as chamaram então de “nucleares” e não “atômicas”, para esconder seu parentesco direto com as horríveis bombas genocidas de Hiroshima e Nagasaki.

Dentro da pratica dessas propagandas enganosas, o sr. Mariz também se refere aos dois novos mitos que o lobby nuclear está criando: sobre o papel do nuclear para manter a estabilidade do sistema, dada a intermitência da produção eólica e solar de eletricidade; e sobre a vantagem de os reatores não emitirem gazes de efeito estufa, contribuindo, portanto, para frear o aquecimento global.

Quanto à intermitência do solar e do eólico, o sr. Mariz parece desconhecer os avanços tecnológicos que vêm sendo feitos para estocar energia em quantidade maior do que o fazem nossos celulares ou os carros elétricos, ou como as milhões de motos elétricas usadas na China.

Quanto à emissão de CO2, as usinas em si poderiam contribuir decisivamente, por não o emitirem, para que a Terra não se aqueça acima do limite que permite a Vida. Esquece-se, no entanto, da emissão de CO2 na mineração do uranio e no seu tratamento e depois enriquecimento com as centrifugas, na produção de pastilhas e seu transporte para as usinas, e a própria construção das usinas (e depois, seu desmantelamento), e de tudo que é necessário construir para “esconder” o combustível usado e para levá-lo para tais depósitos.

Mas o Relatório do Status da Indústria Nuclear Mundial, ja citado, é mais decisivo: o aquecimento global exige soluções urgentes e usinas nucleares ficariam prontas tarde demais, porque é demoradissima sua construção. Ainda mais quando surgem problemas de segurança, como nas usinas de 3ª geração em construção na França e na Finlandia – e de corrupção, como nos quase 40 anos da novela de Angra 3. E há as interupções por dificuldades financeiras – são muito caras – alem de absorverem recursos que seriam mais uteis financiando eólicas e solares.

Passando então ao mais importante que é a questão do risco, é nisto que o sr. Mariz mais exagera e falta à verdade, ao afirmar: “A segurança das usinas nucleares é extremamente elevada pelo seu baixíssimo risco de acidentes e é comprovadamente mais segura que todas as outras fontes geradoras de energia elétrica” (perdoemos seus erros de sintaxe).

O despertar para o problema dos riscos do nuclear decorreu de três acidentes com derretimento do reator, considerado impossível até que ocorresse o primeiro, em 1979, em Three Mile Island nos Estados Unidos. Mas vieram outros: em 1986 na União Soviética e em 2011 no Japão, que provocaram catástrofes sociais, ambientais e econômicas. O da União Soviética – Chernobyl – foi também um dos causadores do debacle econômico e político do país. Mesmo o mundo do nuclear não poderia tratar disso como algo sem maior interesse, como o fazem seus propagandistas.

O sr. Mariz acha, contrariamente ao mais elementar bom senso, que há alguma obra humana 100% segura? Os três acidentes acima, chamados “severos”, resultaram de “falhas múltiplas”: combinam-se erros humanos imprevisíveis e falhas de material e equipamento incontroláveis. No caso do acidente no Japão, em Fukushima, houve um erro prévio, de projeto, portanto também humano: a barreira para barrar tsunamis previsíveis tinha altura e consistência insuficientes. O sr. Mariz não se dá conta de que foi a segurança que passou a exigir muito mais prevenção e pressionou os custos do nuclear, o que está levando ao seu abandono como forma de produzir eletricidade?

E quanto às mortes provocadas pelos acidentes? Em toda obra há acidentes. Mas além disso o acidente nuclear é diferente, especialmente naqueles em que reator derrete. Seus efeitos perduram por muito tempo e em territórios muito vastos. Como os interditados à presença humana em Chernobyl e Fukushima.

Não acredito que o sr. Mariz não saiba que não se pode considerar somente os mortos no momento do acidente. Estes até podem ser em número relativamente reduzido, se considerarmos por exemplo só os bombeiros e os mineiros convocados como “liquidadores” do acidente de Chernobyl – sem nem saber os riscos que iriam correr – ou os trabalhadores das usinas que tentaram evitar o pior em Fukushima. Será que o sr. Mariz não sabe realmente, ou ignora, por deformações tecnocráticas ou políticas (”um dia temos todos que morrer”) que a radioatividade pode matar muitos anos depois? Creio que nunca aceitaria os resultados da pesquisa de cientistas bielorrussos e ucranianos, publicada nos Anais de 2009 de Academia de Ciências de Nova York, que estimava em quase um milhão o número de vítimas da nuvem radioativa de Chernobyl que cobriu toda a Europa.

Recebi há pouco alguns dados sobre canceres de tiroide pela contaminação com elementos radioativos no Japão e na Bielo-Rússia: uma previsão de 3.200 canceres fatais desse tipo no Japão e uma informação da Organização Mundial de Saúde, de que foi retirada cirurgicamente a tireoide de 5.000 crianças por canceres devidos ao acidente de Chernobyl. Como o sr. Mariz vai relacionar esses dados com o número de terawatts-hora produzidos, nas estatísticas macabras que usa? Em Chernobyl calcula-se que as malformações decorrentes da destruição de moléculas de DNA pelas radiações podem afetar sete gerações. No relacionamento disso com a produção de eletricidade fica no ar a pergunta: o que interessa ao sr. Mariz: a vida ou os watts?

Será que o sr. Mariz também não se comove com mais de 250.000 mortos pela Covid 19 no Brasil? É o que se conclui diante do fato de seus colegas de propaganda nuclear considerarem suficiente o precaríssimo Plano de Emergência em caso de acidente em Angra. Ignoram o sofrimento dos desalojados por acidentes nucleares – como os mais de 35.000 moradores dos arredores das usinas de Fukushima que hoje, dez anos depois, ainda vivem de seguro-desemprego em alojamentos provisórios. Um deles eu tive a oportunidade de visitar: o número de suicídios era o dobro do número de vitimados pelo tsunami em suas cidades de origem.

Uma tal atitude é a atitude básica dos que constroem e operam usinas, como na Eletronuclear. Não o fosse não insistiriam em retomar a construção de Angra 3 com um projeto perigosamente obsoleto, dos anos 70, anterior ao primeiro acidente “severo” ocorrido no mundo. Seus dirigentes provavelmente fazem parte da Associação Brasileira de Energia Nuclear, assim como da própria Associação Mundial. Esta até me informou, através de um amigo francês que trabalhava no nuclear e buscou dados sobre o caráter obsoleto do projeto de Angra 3, que eu não me preocupasse: o projeto tinha sido devidamente atualizado… Só me pergunto que atualização é essa, já que o edifício de contenção da usina de Angra 3, essencial na segurança para resistir a explosões internas e ataques externos, é o mesmo de Angra 2, com paredes de 60 cm de espessura, quando hoje, depois dos acidentes “severos”, se exige um metro e meio…

Mas tratemos um pouco mais do mito do “modo mais limpo” de produzir eletricidade, a que já comecei a me referir quando falei da emissão de CO2. O problema pior da sujeira do nuclear é o do seu lixo: toneladas de combustível usado se acumulam pelo mundo afora, contendo em sua composição o plutônio, elemento altamente radioativo.

É uma verdadeira dor de cabeça dos defensores do nuclear. Em nenhum lugar do mundo se conseguiu encontrar uma solução. Um só pais, a Finlândia, está conseguindo construir um deposito definitivo para esse lixo, para escondê-lo em seus 70 km de tuneis subterrâneos por 100.000 anos (a mais velha das pirâmides do Egito tem 4.600 anos), ou seja, para a eternidade, como dizem os finlandeses. E só conseguiram começar essa construção em 2004 – ao descobrirem um lugar em que a população não protestou… – prevendo termina-la em 2023.

Ora, o sr. Mariz nos diz candidamente que, quando exauridos, os elementos combustíveis das usinas, “(que não são considerados rejeitos) ficam armazenados e poderão, como em alguns países, ser reprocessados, utilizando técnicas conhecidas e disponíveis”.

O Brasil não tem capacidade financeira para usar essas “técnicas conhecidas e disponíveis” (só a França e a Inglaterra o fazem) nem muito menos para construir tais depósitos definitivos. A solução encontrada pela Eletronuclear foi a adotada nos EEUU – os depósitos de armazenamento provisório a seco – depois que esse país encontrou muitos problemas em sua tentativa de fazer depósitos definitivos, como os que já teve a Alemanha e tem agora a França.

Mas com isso essa empresa decretou o fim da região de Angra (ver https://senospermitemsonhar.wordpress.com/2021/03/14/a-eletronuclear-a-juiza-e-o-fim-de-angra-dos-reis-chico-whitaker/ ) que, em um dia de devaneios, o pior dos Presidentes que jamais tivemos imaginou que poderia se tornar a Cancun brasileira. Mas ao mesmo tempo autorizou a Eletronuclear a implantar tais depósitos (comprados prontos nos EEUU) na praia de Itaorna – pedra podre, na língua dos indígenas locais – em que estão as usinas nucleares.

Eles ficarão perigosamente por lá pelo menos meio milhão de anos, se somarmos todas as “meias vidas” de radioatividade do plutônio. Que só interessa aos nossos militares, em seu sonho de ter a “bomba atômica brasileira”, para a qual ele é o melhor combustível.

Os moradores da região – indígenas, quilombolas, caiçaras e muitos outros – foram levemente consultados em duas mal divulgadas audiências públicas – ignorando-se os turistas que vêm ao seu lindo litoral e os milionários que nela construíram suas paradisíacas mansões.

Mas tecnocratas não perguntam. Eles executam, prometendo contrapartidas que mal cumprem, como já fizeram para implantar dois “monstros adormecidos” em Angra, ou fazendo falsas promessas frente à resistência, como agora em Pernambuco, dos que sabem o que vão sofrer de fato com a desgraceira da grande obra de seis “chaleiras radioativas”.

Mas é grande o poder de empresas como a Eletronuclear e seus braços são longos: montaram uma operação para calar o Ministério Público Federal, que tinha iniciado uma Ação Civil Pública para que a questão fosse melhor avaliada (não é a primeira vez: em 2010 fizeram o mesmo com outro Procurador do MP, que ousou colocar em dúvida a adequação do projeto de Angra 3 às regras de segurança pós Three Miles Island); conseguiram convencer uma Juíza federal de que o esgotamento do espaço disponível nas piscinas, onde é mantido refrigerado o combustível usado das usinas, levará à sua parada, sem nem considerar alternativas de maior segurança apresentadas na Audiência Pública; e fizeram o Ibama, já desestruturado e domesticado pelo atual desgoverno, providenciar o licenciamento da obra.

Sem dúvida há uma boa pitada de cinismo numa das frases finais do artigo do sr. Mariz, ainda que pareça que não distingue bem os verbos “combater” e “manter”: “Combater e manter uma atitude negacionista frente à energia nuclear é, em última análise, combater a vida!”

14/03/2021

A Eletronuclear, a Juíza e o fim de Angra dos Reis – Chico Whitaker

Um ex-militar brasileiro, devidamente expulso do Exército mas, para nossa infelicidade, alçado à Presidência da República, um dia se vangloriou, em sua campanha eleitoral, de ter sido formado para matar. Seguramente por isso nem se comove agora com as mais de 250.000 mortes já provocadas pela covid 19 em nosso país e certamente ele próprio provavelmente causou milhares dessas mortes, com suas ações e omissões.

É preferível supor que pessoas normais não sejam assim deformadas pela formação militar. E que esta formação se atenha a “explicar” que matar é uma exigência da lógica absurda da guerra, em que sai vitorioso o lado que mais mata e mais destrói. Mas ainda assim um dos principais treinamentos dos militares é o do manuseio de armas, para que o mais rapidamente possível possam matar os que enfrentem na guerra e preservem a própria vida.

Dentro desta dinâmica infernal, os governos estão continuamente inventando e fabricando armas cada vez mais mortíferas. E ao final da última Grande Guerra os Estados Unidos conseguiram construir a bomba atômica. Era a arma das armas. Tornava possível, com um só aperto de um só gatilho, matar milhares de pessoas. Era tambem a mais bárbara: matava não somente militares inimigos como tambem, indiscriminadamente, homens e mulheres, velhos, jovens, crianças, como a bomba lançada em Hiroshima, que destruiu toda a cidade e vitimou imediatamente 80.000 pessoas.

É difícil que um militar, necessariamente mergulhado nesse processo, escape da deformação decorrente. Foi o que ocorreu com o piloto do avião que lançou essa bomba: deve ter ficado muito satisfeito ao dar o nome de sua mãe ao avião com que comandou a operação. 

Mas essa terrível arma rapidamente deixou de servir para atacar e passou a ser uma poderosa arma de dissuasão: outros países a estavam tambem construindo e retaliações encadeadas poderiam levar a um apocalipse nuclear.  

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23/02/2021

Benvindas as Cassandras – Chico Whitaker

Publicado também na Carta Capital https://www.cartacapital.com.br/opiniao/usina-nuclear-em-itacuruba-quem-venham-as-cassandras/

Está esquentando em Recife a discussão sobre as usinas nucleares que a Eletronuclear pretende construir em Itacuruba, à beira do Rio S. Francisco.

Quem logo saiu a campo contra os críticos desse “empreendimento” foi o Vice Presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear[1], que existe obviamente para promover essa forma de produzir eletricidade. Soube agora que um professor da Escola Politécnica da UPE[2] se juntou a ele, já falando da “volta das Cassandras”, ao referir-se a esses críticos.

Quando o professor diz “a volta”, provavelmente pensa nos deputados que em 1989, na elaboração da Constituição do Estado de Pernambuco, tiveram a sabedoria de estabelecer que usinas nucleares não poderiam ser construídas no Estado enquanto não se esgotassem todas as outras fontes de energia (como o vento e sol, de que o Nordeste é particularmente rico).  

Eu me atrevo a entrar nesta polêmica sem ser pernambucano porque todo o povo brasileiro tem que agradecer a esses deputados– espero um dia saber quem são, para propor homenagens a eles. Catástrofes nucleares podem, por um simples capricho dos ventos ou dos mares, fazer mal a muito mais gente do que somente aos “locais”. E o Brasil inteiro pode pagar pela insanidade de construir usinas nucleares em Itacuruba. A nuvem radioativa que saiu de Chernobyl cobriu toda a Europa e a água radioativa que escapou das usinas de Fukushima foi levada à outra margem do Oceano Pacifico, nos Estados Unidos.

Para superar esse obstáculo constitucional, os promotores das usinas pretendem emendar à Constituição, e uma PEC já está em discussão na ALEP. Mas para que ela seja aprovada é preciso domesticar a população. Se não se conseguir isso ela poderá, como conjunto de eleitores, convencer os deputados indecisos de que seria uma autentica loucura permitir que monstros nucleares sejam implantados em Itacuruba, para ficarem, na melhor das hipóteses, adormecidos durante muitos anos, até que um dia se levantem e mostrem toda a sua força.  

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19/09/2020

Brumadinho, Flamengo, Angra: e o bom senso? – Chico Whitaker

 

Inexiste a cultura de segurança em equipamentos

  • (publicado em 5 de março de 2019 na Folha de São Paulo)

Obras da usina  Angra 3, em Angra dos Reis, em 2011Obras da usina Angra 3, em Angra dos Reis, em 2011 – Eletronuclear/Divulgação

 

Tragédia em Brumadinho, três anos após Mariana. Desta vez foi mais duro: mais de 300 vidas perdidas. Causa, a mesma: descaso com a segurança em benefício do lucro. Onde ficam as vidas humanas na lógica do mundo econômico e político? 

Nem bem identificados os responsáveis, a morte absurda de dez meninos em um centro de treinamento de futebol. E os 242 jovens da boate Kiss? E o incêndio do Museu Nacional, carbonizando a memória do país? Como sempre: falta de fiscalização, laudos ignorados.

Não temos no Brasil uma cultura de segurança em equipamentos coletivos.

Em qualquer outro país seria obrigatório adequar o projeto às normas da Agência Internacional de Energia Atômica pós-1979. Para os que sofrem suas consequências, tais acidentes são catástrofes. A explosão de uma usina nuclear não se esquece no prazo de um luto: a radioatividade disseminada matará durante décadas ou séculos quem for contaminado. Esses acidentes, quando acontecem, só “começam”. Por centenas de anos será interditada a presença humana num vasto território em Fukushima e Chernobyl. E fora dele a leucemia matará meninos e meninas e nascerão crianças malformadas. 

Em Angra 3, o bom senso fugiu para muito longe. Irresponsabilidade? Talvez insanidade, que nos espreita numa das bonitas praias do Sudeste. O drama poderá alcançar as duas maiores cidades do país, segundo determinem os ventos. 

A Eletronuclear conseguiu em 2010 o licenciamento de Angra 3, com seu projeto obsoleto, engavetando um parecer de engenheiros de segurança e uma recomendação do Ministério Publico Federal pela adequação do projeto. 

Há informações imprecisas e duvidosas sobre supostas adequações. Mas cabe perguntar, por exemplo: o edifício do reator terá, como deveria, três vezes mais solidez do que o do projeto de 1977, para que resista a eventuais explosões? 

Conluios entre empresas e governos sempre existem. Em Fukushima, apesar das recomendações dos cientistas, o muro contra tsunamis ficou com somente quatro metros. A onda veio com 15 metros e afogou os equipamentos de segurança de quatro reatores nucleares. 

Uma petição por uma auditoria de Angra 3 (change.org/usinanuclearnao) está correndo o mundo. Os milionários de Angra nem imaginam que podem perder suas mansões. Mas lá fora se sabe que acidentes nucleares não respeitam fronteiras. 

A nuvem radioativa que saiu de Chernobyl cobriu toda a Europa. A água que resfria os reatores fundidos de Fukushima contamina o Pacífico.

Chico Whitaker

Arquiteto e urbanista e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

19/09/2020

Angra 3: que 2018 nos favoreça – Chico Whitaker

 

(artigo escrito em 30/12/2017)

A pressão para que seja retomada a construção da usina nuclear de Angra 3 começa a crescer. Seus responsáveis, tendo à frente a Eletronuclear, construtora e administradora da usina, multiplicam as gestões em Brasília e organizam Seminários para obter apoios na região: um primeiro teve lugar em 4 de dezembro em Angra dos Reis, um segundo em 18 de Dezembro em Resende.

Contratada em 1983, a obra foi interrompida pouco depois. Em 2010 decidiu-se reiniciá-la, mas em 2016 ela foi novamente interrompida, por dificuldades financeiras do governo combinadas com a descoberta de corrupção na construção. Provavelmente, para os que fazem agora uma nova tentativa de construir a usina, o problema da corrupção foi superado com a condenação, na Lavajato, do então Presidente da Eletronuclear. E para seu financiamento certamente pretendem se valer das ofertas russas e chinesas, do lobby nuclear internacional que corteja os países menos atentos aos riscos dessa tecnologia.

Mas será que mais uma vez a obra será reiniciada sem se considerar, como já se fez no seu licenciamento em 2010, que o projeto de construção da usina é obsoleto quanto à segurança? Será que nem o Ministério Publico vai intervir, como o fez, infelizmente sem sucesso, em 2010?

Serão grandes os riscos criados. Elaborado na década de 70, no regime militar, o projeto não  podia evidentemente levar em conta o que se aprendeu com um acidente ocorrido no final dessa  década, em 1979, em Three Miles Island, nos Estados Unidos.  Esse acidente foi de um tipo novo, até então considerado impossível. Devido ao que hoje é chamado de “falhas múltiplas”, os operadores da usina perderam o controle da temperatura e da pressão no reator e ele fundiu.

Mais do que “severo”, como foi então denominado, esse tipo de acidente pode provocar uma catástrofe, como se verificou em caso similar em 1986 na União Soviética. A usina de Chernobyl explodiu, espalhando partículas radioativas. Enormes territórios foram interditados por centenas de anos para a atividade humana, milhares de pessoas foram evacuadas abandonando tudo que tinham, partículas radioativas provocaram e continuam a provocar grande número de mortes, muitas gerações serão ainda afetadas. Além disso uma nuvem radioativa cobriu toda a Europa. O Brasil chegou a importar leite radioativo da Irlanda…

A Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA se viu evidentemente obrigada a editar normas para evitar tais acidentes ou pelo menos mitigar seus efeitos. Um mínimo de responsabilidade exigiria de nossas autoridades que readequassem o projeto de Angra 3 a essas normas. Foi isso o que disse em seu parecer um engenheiro de segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, solicitada a emitir um novo licenciamento. Mas esse parecer, revisto e assinado por um colega de mesmo nível e da mesma área e aprovado pelo chefe de ambos, foi simplesmente engavetado. E o licenciamento foi indevidamente concedido.

Em março de 2011, pouco depois desse licenciamento, um terceiro “acidente severo” ocorreu, desta vez no Japão, em Fukushima. Explodiram três reatores, com consequências como as de Chernobyl. Nem assim nossas autoridades reviram sua decisão de reiniciar a obra sem readequar o projeto que estão pretendendo nos impor agora.

Vale lembrar a mensagem de um assessor do governo alemão em segurança nuclear aos participantes do Seminário Internacional realizado em outubro de 2016, no Senado Federal, sobre as lições da experiência mundial no nuclear: toda usina nuclear tem outra de projeto similar como referencia; a de Angra 3 é a de Grafenrheinfeld, na Alemanha; ora, essa usina foi uma das primeiras desativadas quando esse país abandonou, por questões de segurança, a opção nuclear para produzir eletricidade. Segundo esse especialista, nos dias de hoje uma usina como essa nunca seria licenciada e construída em seu país.

Não é difícil encontrar a relação entre essa grave irresponsabilidade funcional e a corrupção. A Andrade Gutierrez, contratada para a construção, vinha repassando propinas ao Presidente da Eletronuclear para assegurar aditivos ao contrato firmado em 1983. Mas ela poderia perder esse contrato, por mudança de objeto, se a revisão fosse realizada. Nesse quadro, caberia perguntar se o esforço midiático em curso para reconstruir a imagem desse Presidente, como um herói nacional vítima de interesses estrangeiros, não é senão uma cortina de fumaça para encobrir o licenciamento indevido.

Nós, no Brasil, longíssimo de Chernobyl e Fukushima, avaliamos com dificuldade as consequências dos “acidentes severos”. E na infelicidade de que um acidente desse tipo venha a ocorrer na usina de Angra 3, os afetados por ele não serão somente os moradores da região, mas também os do Rio ou de São Paulo, se os ventos assim o decidirem…

Não resta senão desejar que, neste ano de 2018, não nos mantenhamos silenciosos. A questão não é técnica, econômica ou política. É uma exigência de cuidado com a vida humana.

30/12/2017

27/06/2020

Carta aos pernambucanos – Chico Whitaker

Depois que o Prefeito de Angra dos Reis mandou dizer aos pernambucanos que era muito bom fazer mais seis usinas nucleares na beira do São Francisco, mandei a eles a carta abaixo:

Aos meus amigos de Pernambuco

Tem razão o Prefeito de Angra. Uma usina nuclear é uma enorme construção muito bonita. Que oferece emprego a muitos trabalhadores para ser construída e depois empregos para funcionar – embora bem menos.

O grande problema, que ele parece ignorar, é que essas usinas são monstros adormecidos. Que tem que ser permanentemente alimentados com o pior veneno que os seres humanos conseguiram descobrir nas profundezas da terra: o urânio radioativo, que há os que o chamem de dragão da maldade. Os técnicos que cuidam do monstro colocam esse urânio no seu estômago, sob a forma de toneladas de pastilhas, enriquecidas com átomos quebráveis. Seu aparelho digestivo quebra então esses átomos, o que produz muito calor – tais átomos são portanto o combustível do reator nuclear. Este calor ferve a agua que está no estômago do monstro, e seu vapor move turbinas que criarão eletricidade. Como os pequenos dínamos que fazem com que se acendam as luzes de nossas bicicletas.

Mas já ai, o que parece ter sido uma descoberta genial começa a criar problemas. Um deles desmonta o mito de que essas usinas são a forma mais limpa de se produzir eletricidade. Porque que enquanto dorme o monstro também defeca. E são toneladas de pedaços dos átomos de urânio quebrados, já transformados em diferentes tipos de partículas mais venenosas do que o urânio que o monstro comeu, tirados do seu estomago uma vez por ano. Como o césio-137, do qual só 19 gramas mataram tanta gente em Goiânia, a partir de 1987. Ou como o plutônio, muitíssimo radioativo: um grama de plutônio mata quase imediatamente a pessoa que ele contamine. A metade de sua massa leva 24.100 anos para se desmanchar (o que tecnicamente se chama de sua “meia vida”).

Ou seja, uma usina nuclear não é como outras usinas de eletricidade. Nelas se lida com coisas muito perigosas. Que são as mesmas das bombas atômicas. E basicamente com a mesma tecnologia. Elas produzem duas coisas ao mesmo tempo: eletricidade e dejetos chamados de lixo atômico. Do qual pode ser separado o plutônio, que se tornou o combustível preferido para bombas.  O que nos faz desconfiar do interesse dos militares em usinas nucleares…

Mas este lixo mais do que sujo – uma herança maldita que já estamos legando para varias gerações de nossos descendentes, com as mais de 400 usinas existentes no mundo o produzindo continuamente – é um real pesadelo: ainda não se descobriu, em parte nenhuma do planeta Terra, onde escondê-lo com segurança durante milhões de anos, talvez pela eternidade… Mas os técnicos muito sabidos (somente em física e engenharia nuclear) que nos querem impingir esses monstros não se mostram muito preocupados. Nem levantam o assunto na propaganda mentirosa do seu comercio.

Mas, digamos, tudo bem enquanto esses monstros permanecem dormindo: tudo que defecam é imerso em grandes piscinas, de onde não sai nem cheiro – aliás se saísse não saberíamos porque radiações não tem cheiro. O problema é que a água dessas piscinas tem que ser permanentemente refrigerada. Isso também não nos contam… Porque as partículas do combustível usado que está nelas continuam se quebrando naturalmente e, portanto, produzindo muito calor. E podem explodir se por falta de sorte sua refrigeração parar… Por isso os desalmados que constroem esses monstros derramam promessas e fortunas às prefeituras (como aqui no Brasil em Angra dos Reis e nos municípios vizinhos), para que elas nos convençam a aceita-los dormindo em nosso quintal, emporcalhando-o com suas evacuações sem que nem o percebamos.  

Mas ai de nós se os monstros acordam… Eles então mostram que são uma das invenções mais terríveis de cientistas frios e inconsequentes. Ao acordar eles vomitam tudo que engoliram e ainda está em seu estômago, com os muitos diferentes nomes das partículas em que o urânio se transformou. Os moradores da vizinhança tem então que fugir correndo, mal toquem as sirenes. Deixando para trás suas casas com tudo que tinham, rapidamente contaminado com o vômito do monstro. Porque as partículas radioativas que ele contém são invisíveis, não tem cor, não zumbem nem doem ao nos alcançarem. Só se vai saber, às vezes muitos anos depois, quem foi por elas contaminado, quando cânceres surgem não se sabe como no nosso corpo, quando menos se espera.

Se ele acordar ele próprio explodindo, muitos mais ainda serão atingidos pelo vômito, espalhado por nuvens que o vento levará onde quiser, a grandes distancias, sem que ninguém possa controlar. A radioatividade assim disseminada matará sem apelação ainda muito mais gente durante milhares de anos…

Mas, apesar disso tudo, até que dá para conviver muito tempo com o monstro, que é muito discreto e silencioso enquanto dorme. Pelo menos foi o que disse o Prefeito de Angra dos Reis.  Basta não acordá-lo e ficar aproveitando o dinheiro que seu irresponsável construtor distribui, até para coisas às quais nunca teríamos acesso. Mas quem viu uma sala de controle de uma usina sabe que essa paz é enganadora. É extremamente complexo o cuidado com a saúde do monstro. Não bastam enfermeiros ou enfermeiras dedicados. É preciso uma equipe de “operadores”, que arriscam ali dentro dele suas vidas, revezando-se dia e noite. Protegidos por vestimentas especiais, máscaras e luvas e mesmo escafandros para não receberem radiações.

Nessa sala dezenas de relógios, telas e mostradores indicam permanentemente a temperatura e a pressão do monstro, enquanto outros providenciam veneno suficiente para encher seu estomago. Uma falha no sistema ou uma pequena peça que se estraga, combinada com um descuido, complica de repente as coisas. Ou uma manutenção mal pensada dos aparelhos que mantem aquele corpo imenso em vida. Como aconteceu nos Estados Unidos e na União Soviética. Ou um acidente natural do lado de fora, um deslize de terra, como pode acontecer em Angra dos Reis. Uma inundação imprevista, como aconteceu no Japão. Ou mesmo a queda de um avião exatamente sobre a usina, por puro acaso ou intencional, como se temeu que acontecesse na Alemanha, quando um piloto suicida de um avião de linha fez cair seu avião numa região em que havia varias usinas. Hoje em dia até drones armados podem surgir não se sabe de onde…

Ou seja, o monstro adormecido pode inesperadamente acordar. E se levanta rápida e imediatamente, quando acorda. E se movimenta em segundos, apesar de todo o seu peso. O incontrolável toma então conta de tudo. E uma catástrofe social e ambiental acontece, como em Chernobyl e em Fukushima. Por mínima que seja, essa possibilidade existe. Não podemos nos esquecer que não há obra humana 100% segura.

Os efeitos de um desastre nuclear desse tipo só estarão começando a acontecer, no momento do desastre. Nesse mesmo momento é relativamente pequeno o numero dos que são vitimados. Mas esse número aumenta continuamente e muito, por muito tempo. Porque  ele espalha um quantidade enorme de partículas radioativas, que nos atingem silenciosamente, sem que nem o percebamos. Não será um acidente como outros. Em Fukushima, temeram que todo o país desaparecesse, quando três de seus monstros adormecidos acordaram e explodiram…

É preciso muita inconsciência para se aceitar uma usina nuclear em seu quintal. Mas a grande maioria das pessoas está pouco informada da realidade desses monstros. Aceita os argumentos e se deixa enganar pela enorme propaganda dos criminosos que os vendem, com interesses e intenções escondidas.

Um abraço do Chico Whitaker, um cidadão a quem um dia contaram tudo isso.

(25/10/2019)

13/06/2020

A questão da segurança nas usinas nucleares – Chico Whitaker

(Este texto foi escrito para facilitar a apresentação do tema em Roda de Conversa promovida pela Conexão Virtual Antinuclear em 13 de junho de 2020)

Porque a questão da segurança nos obriga a dizer um NÃO redondo a usinas nucleares ?

Para começar eu lembraria as três grandes mentiras que nos contam sobre as usinas nucleares: elas são o modo mais barato, mais limpo e mais seguro de se produzir eletricidade.

A primeira é uma mentirinha. Cara ou não, conseguem-se financiamentos, quando se acha que vale a pena. Embora complique quando se somam os custos do desmonte das usinas (elas têm uma vida útil limitada), dos acidentes e dos depósitos de lixo atômico.

A segunda já começa a complicar mais. As usinas sujam a Terra com um lixo difícil de fazer sumir, porque é radioativo. E parte dele, o combustível usado, é altamente radioativo. Nela entra portanto a terceira mentira, sobre a segurança. Esse lixo é perigosíssimo, enquanto não for escondido no fundo da terra.

Já a terceira mentira complica demais. É uma mentira deslavada. Que nos ameaça sem nenhuma piedade. Se virmos a dimensão do problema, a questão da segurança nos fará deixar de discutir todo o resto, questões técnicas ou econômicas, custos, lixos, matrizes energéticas, para dizer um grande NÃO às usinas nucleares. È o grande ponto fraco dessa tecnologia.

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Ela sempre foi tratada como coisa secreta, porque era a mesma das bombas atômicas – a “arma das armas”, como se dizia no Projeto Manhattan, com o qual se fabricou a primeira. E por isso está nas mãos dos militares.

As usinas nucleares foram inventadas para continuar desenvolvendo a tecnologia das bombas, quando, na corrida armamentista da Guerra Fria, começava a crescer a pressão pela interrupção dos testes com bombas (até ali tinham chegado a 50 mas ao final da Guerra Fria passaram dos 2.000…)..

Aqui no Brasil, os militares que tomaram o poder em 64 tinham a ilusão de um dia ter a “bomba brasileira” e para isso começaram a aventura das usinas. E ainda sonham com ela, ou pelo menos com submarinos nucleares.

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Elas são uma invenção simples (uma nova forma de esquentar água) mas de execução complexa e sofisticada. Por isso as usinas são perigosas, exigindo enormes cuidados de segurança.

Foram propostas para dizer que a energia atômica pode também ser utilizada para fins pacíficos, embora o uso pacífico medicinal dos átomos viesse de bem antes das bombas, do fim do século XIX, com a descoberta da radioatividade e, depois, do radium pelo casal Curie.

As usinas nucleares foram lançadas em 1953 por Eisenhower, o general norte americano que virou presidente dos Estados Unidos depois de comandar as tropas de seu país na segunda grande guerra. Ele o fez apresentando o Programa Átomos para a Paz na Assembleia das Nações Unidas, oito anos depois do maior genocídio que seu pais perpetrou nessa guerra, o de Hiroshima e Nagasaki

Há os que se queixem, como o atual Presidente da Eletronuclear, que as usinas tiveram por isso o pior marketing da historia. Pior seria se elas tivessem sido chamadas usinas atômicas… Mas os cientistas e tecnólogos que trabalham com energia nuclear tem muito orgulho da invenção meio genial desse uso pacifico do átomo…

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Mas o seu grande ponto fraco – o de sua segurança – só apareceu claramente mais adiante. Depois dos muitos sustos que pregou, com o que chamam de incidentes ou de acidentes de maior ou menor gravidade, aconteceram os grandes acidentes nucleares de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e em Fukushima, no Japão, em 2011.

Esses acidentes foram chamados de “severos”, porque os reatores derretem, o que provoca explosões e com elas verdadeiras catástrofes sociais, econômicas e ambientais. Todos os nucleopatas achavam que esse tipo de acidente era impossível, até que o primeiro acontecesse em 1979, nos Estados Unidos – embora com efeitos menos catastróficos – num lugar chamado Three Mile Island.

Tinha havido um anterior, na União Soviética, mas o mundo só ficou sabendo dele 30 anos depois.

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Esses “acidentes severos” são de fato mais raros, mas quando acontecem tem-se que sair de perto o mais rapidamente possível. Por isso é preciso elaborar planos de emergência com instruções e rotas de fuga. Não se assustem quando virem a pouca seriedade do Plano de Emergência para nossas usinas de Angra dos Reis.

Em Chernobyl foram evacuados todos que moravam num raio de 30 km, inclusive os 70.000 habitantes de uma cidade a 3 km da usina. Em Fukushima foi tambem e 30 km de raio a área de evacuação, mas o governo dos EEU afastou da região todos os norte-americanos num raio de 80 km. Em Angra está prevista uma evacuação num raio de 5 km…

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Não se pode falar em que dia aconteceu esse tipo de acidente, como se fala de qualquer outro, como um avião que cai, uma barragem, uma ponte ou um prédio que desmoronam, um carro que se espatifa num poste.

Nestes outros acidentes a gente chora os mortos (como agora tristemente com a Covid 19) mas depois a vida continua – até um próximo acidente. Com acidentes nucleares é diferente.

Deles se tem que falar em que dia começaram. E até em acidentes menos graves com aparelhos medicinais, ditos radiológicos, como o ocorrido em 1987 em Goiânia, com um aparelho de radioterapia abandonado. Ele logo matou 4 pessoas mas muitas outras depois, ao longo dos anos, até agora.

Foi o risco desses “acidentes severos” que levou a Alemanha e outros países a abandonarem as usinas  nucleares.

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Sua principal característica é a disseminação de muitas partículas radioativas no meio ambiente. A carga de combustível que disseminam num acidente é de uma tonelada de urânio radiativo ou dos elementos também ou mais radioativos que resultam da quebra de seus átomos. As bombas também o fazem, ao provocarem as chamadas “chuvas negras”, mas seu volume em combustível é muitíssimo menor.

Algumas dessas partículas deixam de ser radioativas em minutos, até em segundos. Mas há outras que permanecem radioativas durante milhares de anos, durante séculos. Por exemplo o plutônio, que é o elemento radioativo que as usinas mais produzem, a partir de 96% dos átomos de urânio que entram no reator como combustível.

Grande parte do lixo atômico de alta radioatividade que temos que deixar fora do alcance das pessoas pela eternidade é de plutônio. Quem o toque terá morte certa e rápida. E a metade dele desaparece só depois de 24.100 anos.

Se pensarmos que a era cristã, em que vivemos hoje, tem 2.020 anos… Pode-se dizer, exageradamente, que as partículas radioativas são imortais.

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Não se brinca com partículas radioativas invisíveis, silenciosas e sem cheiro. Elas são como os vírus: nos destroem por dentro. As vezes os canceres aparecem muitos anos depois de sermos contaminados. E nossos filhos podem nascer malformados.

Os cientistas dizem que a Vida só se tornou possível no planeta Terra quando baixou o nível de radioatividade que nela existia, e moléculas passaram a conseguir se juntar sem serem imediatamente separadas por radiações.

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Nos incidentes e nos acidentes menores o que pode acontecer são vazamentos de radioatividade. O que torna um absurdo dizer que se pode morar até pegado a uma usina, como afirmam os que as propagandeiam. Serão os mais indefesos frente à radiotividade que escapou.  

As usinas são cercadas de arame farpado e vigiadas dia e noite. Uma vez, passando ao lado de uma das usinas nucleares da Argentina, o amigo que me levava deu uma paradinha com seu carro junto a essa cerca mas fora do lugar onde havia um mirante para “admirar” de longe aquela obra, e até um zoológico que criaram no entorno da usina para dar a impressão de lugar tranquilo, onde ninguém sofre nada com ela. Em meio minuto parou um carro com guardas para nos dizerem que tínhamos que sair dali e não tirar fotografias.

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Não há obra humana 100% segura. Um dia, acidentes podem acontecer, inesperadamente. E acidentes “severos” podem ocorrer em qualquer uma das mais de 400 usinas nucleares que existem no mundo. Inclusive aqui no Brasil, em Angra dos Reis. Até porque as duas usinas de lá estão ficando já meio velhinhas.

A radioatividade que elas disseminem podem alcançar o Rio ou São Paulo. No Japão quase alcançaram a região de Tóquio, com dezenas de milhões de moradores. E o Pacifico levou partículas radioativas até os Estados Unidos, do outro lado do Oceano. A nuvem radioativa de Chernobyl cobriu toda a Europa. Por isso se diz que acidentes nucleares ignoram fronteiras.

Um acidente na beira do S.Francisco certamente alcançaria muitas cidades em torno, e até Recife. E contaminaria todo o Rio S.Francisco… Pescaríamos e comeríamos peixes radioativos.

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É difícil provar uma relação de causa e efeito, no caso da radioatividade. Mas há um texto publicado pela Academia de Ciências de Nova York em 2013, de cientistas da Ucrânia que estudaram a mortalidade em toda a Europa depois do acidente de  Chernobyl.

E eles chegaram ao incrível numero de 925.000 mortos com os vários tipos de doença provavelmente provocados pela radioatividade da nuvem de Chernobyl – que carregava césio 137, o mesmo que matou tanta gente em Goiânia. (vejam em https://www.ecologia.cc/Chernobyl-a-de-milh%C3%B5es-de-mortos-year-20/)

É interessante o que se diz nessa publicação sobre um acordo que existiria entre a OMS – Organização Mundial da Saude e a AIEA – Agencia Internacional da Energia Atômica, para controlar a difusão de dados sobre os acidentes nucleares.

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Mas como se chega, no nuclear, aos acidentes “severos”? Porque ela não é uma bomba atômica, se usa a mesma tecnologia?

Como já vimos, nas usinas se esquenta a agua que está no vaso do reator (por isso chamamos as usinas de chaleiras atômicas) quebrando átomos radioativos e provocando uma reação em cadeia: de um átomo quebrado saem partículas que quebram outros dos quais saem partículas que quebram outros, e assim por diante.

Nas bombas se quebra também os átomos e se provoca a reação em cadeia mas se deixa essa reação andar, até chegar a um calor infernal  (em Hiroshima e Nagasaki as pessoas evaporavam) e explodir. Nas usinas, ao contrario, essa reação em cadeia é controlada, e o reator é permanentemente refrigerado (por isso elas são construídas sempre à beira d’agua) para que o calor não suba demais e não o derreta.

Mas isso pode vir a acontecer quando muitas falhas se combinam (as chamadas falhas múltiplas) no funcionamento da chaleira e no seu controle, extremamente complexo.

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Nem vou falar aqui do problema do combustível usado, altamente radioativo, que é guardado em piscinas permanentemente refrigeradas até poder ser levado a depósitos provisórios e depois definitivos, onde devem ficar pela eternidade.

Por isso tudo dizemos que essas chaleiras são uma insanidade: caríssimas, sujas e perigosíssimas. Ainda mais que existem outras formas mais baratas, mais limpas e mais seguras de se produzir eletricidade.

13/06/2020

21/05/2020

A Maldição do nuclear III – “Solução radioativa para todos os males” – Chico Whitaker

Depois que se começou a descobrir os segredos do átomo e a radioatividade, foi por assim dizer animadora a exploração das possibilidades de uso dos raios X e dos “raios de Becquerel” (alfa, beta e gama) para atender às necessidades humanas. Embora já se identificassem riscos, como os que levaram Pierre Curie a fazer um alerta quando recebeu o Premio Nobel de Física de 1903.

Na historia da maldição do nuclear, houve um primeiro período de uso pacifico da energia nuclear. O segundo, dito também pacífico, foi o de criação das usinas nucleares para produzir eletricidade, depois de se passar pela hecatombe das bombas atômicas.

O primeiro período durou quase quarenta anos, até que a ciência chegasse à bomba. Foi coroado pelo trabalho de Irène Joliot-Curie e seu marido Frédéric, que lhes valeu o Premio Nobel de Química de 1935 por encontrarem uma maneira de criar artificialmente novos elementos radioativos.

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09/05/2020

A Maldição do nuclear II – O tempo das descobertas – Chico Whitaker

 

Porque maldição? Na verdade o alerta, ou a profecia, feita por Pierre Curie quando ganhou, com sua mulher Marie Curie e o físico francês Henri Becquerel, o Prêmio Nobel de Física de 1903, poderia ser entendido como uma maldição.

Naquele momento, a partir do fim do século XIX e inicio do século XX, as descobertas científicas em torno das radiações estavam tendo um enorme impulso. O físico alemão Röentgen descobrira o que chamou de raios X – levando-o a ganhar em 1901 o primeiro Prêmio Nobel de Física. Becquerel descobrira as radiações espontâneas do urânio, que foram chamadas de radioatividade. Pierre e Marie Curie, aprofundando o conhecimento dos então chamados “raios de Becquerel”, descobriram num mineral de urânio um novo elemento radioativo que chamaram de “Polônio” – em homenagem ao país natal de Marie – e em seguida outro, 900 vezes mais radioativo que o próprio urânio, que chamaram por isso mesmo de “Radio”.

Frente a esse nível de radioatividade do radio, Pierre Curie se preocupou com a possibilidade dele ser usado para ferir seres humanos e disse, no discurso que enviou à Fundação Nobel:

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