Artigo publicado em 24 de setembro de 2021 no site norte-americano Contraponto (counterpunch.org).
A leitura deste artigo é recomendada a quem queira ter informações concretas sobre a realidade do nuclear nos Estados Unidos, um dos países que têm, em seu território, mais chaleiras radioativas para produzir a eletricidade, e onde essa opção energética está em franco declínio. As informações trazidas no texto são um real “contraponto” às inverdades que os promotores do nuclear difundem no Brasil, ao dizerem que a opção nuclear está em expansão no mundo. Ele apresenta o que aconteceu com várias centrais nucleares dos EEUU como, entre outras, a de Watts Bar, no Tennessee – que levou 42 anos para ser construída e ser colocada em operação um ano depois, e com a de Bellefonte, no Alabama, que foi posta à venda 47 anos depois de ser iniciada sua construção, que consumiu 5,8 bilhões de dólares. E cita um artigo que diz que a tecnologia dessas centrais é a forma de ferver água mais cara que já foi concebida, e que seu projeto não é realmente confiável quanto ao que elas vão custar e quanto ao tempo que vai tomar sua construção.
A Autoridade do Vale do Tennessee (TVA) poderia provavelmente reivindicar legitimamente um lugar no Livro dos Recordes do Guinness, mas não seria por um feito pelo qual essa corporação federal de serviços de eletricidade acolhesse com agrado a notoriedade.
Ao demorar 42 anos para construir e finalmente colocar em funcionamento o seu reator de energia nuclear Watts Bar Unidade 2 no Tennessee, a TVA bateu seu próprio recorde de maior tempo de construção de centrais nucleares. Desta vez, no entanto, a empresa não conseguiu entregar uma central nuclear inteiramente concluída.
O Watts Bar 2 chegou ao ponto de poder funcionar em maio de 2016, mas logo parou devido a um incêndio num transformador, três meses mais tarde. Ela alcançou finalmente a condição de plena operação em 19 de outubro de 2016, tornando-se o primeiro reator dos Estados Unidos a entrar em funcionamento comercial desde 1996.
Agora, quase cinco anos mais tarde, a TVA anunciou que tinha abandonado a construção de reatores em sua central nuclear em Bellefonte no Alabama, impressionantes 47 anos após o início da construção.
A TVA estava aparentemente feliz por sair do negócio da construção nuclear, porque, como relatou a Chattanooga Times Free Press, a empresa “não via a necessidade de uma tão grande e dispendiosa fonte de geração”. Não brinquemos!
Ironicamente, este é precisamente o argumento utilizado para fazer avançar as energias renováveis, num ambiente energético que não pode e já não vai suportar geradores termoeléctricos inflexíveis, de grandes dimensões, que são completamente impraticáveis nas próximas redes inteligentes, assim como nas condições induzidas pelas alterações climáticas.
Consequentemente, a TVA aceitou de bom grado as ofertas de um comprador para Bellefonte – a empresa imobiliária Haney – cujo diretor, Frank Haney, ganhou a sua própria notoriedade oferecendo 1 milhão de dólares ao advogado do ex-presidente Trump, Michael Cohen, possivelmente para conseguir, como sugeriram reportagens na mídia, favores na regulamentação de seu novo brinquedo nuclear.
Mas quando a TVA anunciou no mês passado que tinha sido retirada sua licença para Bellefonte, Haney recebeu de volta o seu adiantamento – no valor de 22,9 milhões de dólares mais juros. A própria TVA tinha gasto pelo menos 5,8 bilhões em Bellefonte ao longo dos 47 anos, o que incluiu longas paradas, antes de finalmente conectar a corrente.
Este tipo de colossal desperdício de tempo e dinheiro em projetos nucleares fracassados é, certamente, a melhor contestação dos mitos criados na imprensa sobre a necessidade da energia nuclear e seu “baixo teor de carbono”, uma afirmação enganosa usada para defender a inclusão da energia nuclear na mitigação das mudanças climáticas
Na realidade, a história do desenvolvimento da energia nuclear nos EUA ao longo dos últimos 50 anos, além de lamentável não passaria despercebida em qualquer plano “normal” de negócios. A forma como a indústria nuclear se livra disso continua a ser desconcertante.
Como disse Paul Gunter no artigo “Para além do nuclear” na Chattanooga Times Free Press, “Bellefonte é apenas o mais recente fracasso desta indústria“, observando que “dos 30 reatores que a indústria planejou construir há 15 anos, com o assim chamado renascimento nuclear, apenas dois estão sendo construídos. (Estes dois, s Vogtle na Geórgia, estão anos atrasados e com um orçamento, mais do que duplicado, de 27 bilhões de dólares).
Como Gunter observou no mesmo artigo, “a TVA tem tido grandes problemas com os custos e calendários previstos para novas centrais nucleares, como toda a indústria nuclear nos últimos 50 anos. A incapacidade de respeitar quaisquer orçamentos para essas centrais é o que tem sido repetidamente a causa da ruina da energia nuclear”.
“A energia nuclear é a forma mais cara jamais concebida para ferver água e Bellefonte apenas mostra mais uma vez como esta tecnologia não é realmente fiável ao se projetar o que vão custar centrais eléctricas e quanto tempo se levará para construí-las“, disse Gunter ao jornal.
Isto foi certamente verdade para a Westinghouse Electric Company e a SCANA, ainda envolvidas no escândalo que está sendo desvendado em torno da não conclusão de dois novos reatores na central nuclear de V.C.Summer na Carolina do Sul. Como os executivos da Westinghouse falida e da SCANA, que os assumiu, continuam a enfrentar acusações criminais, a Westinghouse já teve que desembolsar 2,168 bilhões de dólares em pagamento de compensações relacionadas com o desastre da V.C.Summer.
Em agosto, noticiava-se que a Westinghouse seria também obrigada a reembolsar os contribuintes de baixa renda com em torno de 21,25 milhões de dólares. Isto porque os novos reatores foram financiados em parte através de taxas de eletricidade, apesar de nunca terem fornecido um único watt de eletricidade. O custo do projeto em si acabou por se elevar a mais de 9 bilhões de dólares antes de entrar em colapso.
Vejamos o histórico como um todo. De acordo com o artigo da Wikipedia “Lista de reatores nucleares cancelados nos Estados Unidos”: “Dos 253 reatores nucleares originalmente encomendados nos Estados Unidos de 1953 a 2008, 48% foram cancelados, 11% foram fechados prematuramente, 14% sofreram paradas de pelo menos um ano ou mais, e 27% estão funcionando sem ter tido um ano ou mais de parada. Assim, apenas um quarto dos encomendados, ou cerca de metade dos concluídos, ainda estão funcionando e provaram ser relativamente fiáveis”.
A lista impressionante da Wikipedia detalha, na mesma página, quais são os 157 reatores que foram cancelados antes ou durante a construção.
Os enormes custos, evidentemente, fazem a maioria das corporações se afastarem assustadas, salvo a família Haney. Mesmo quando gordos subsídios foram agregados – como para o projeto de 3 EPR em Calvert Cliffs em Maryland – as empresas de serviços públicos relutam. No caso de Calvert Cliffs, a Constellation Energy foi o parceiro dos EUA com a empresa pública francesa EDF. Mas mesmo quando a governo Obama ofereceu uma garantia de empréstimo de 7,5 bilhões de dólares, a Constellation considerou o empréstimo “demasiadamente elevado e oneroso” e desistiu.
Isto deixou a EDF, uma empresa estrangeira, como única proprietária, uma violação da Lei da Energia Atómica. O projeto entrou em colapso, um dos muitos referidos por Paul Gunter como sendo a fantasia de um renascimento nuclear que primeiro se alastrou e depois se extinguiu.
O Presidente Obama com certeza não era amigo do movimento anti-nuclear. Estava tão ansioso por impulsionar novas construções nucleares nos EUA que pediu a inclusão de 55 bilhões de dólares para garantias de empréstimos nucleares no seu orçamento de 3,8 trilhões de dólares para 2011. No seu discurso sobre o Estado da União nesse ano, Obama falou da “construção de uma nova geração de centrais nucleares seguras e limpas neste país“. Completamente embriagado com Ki-suco, portanto.
Tudo isto deveria ser uma mensagem óbvia aos ouvidos surdos de Ben Cardin (D-MD), Sheldon Whitehouse (D-RI) e Cory Booker (D-NJ), os principais evangelistas pró-nucleares no Senado dos Estados Unidos. A lei de crédito para a produção de energia de Cardin tem na verdade a ousadia de descrever a energia nuclear como “emissão zero“, uma mentira que até um funcionário do próprio Cardin foi forçado a conceder que o era, numa reunião recente de que Paul Gunter, por ele convidado, participou.
Isto não vai impedir que a lei avance e quase certamente passe. Tal como os três macacos não-tão-sábios, esses senadores e os seus colegas não reconhecerão nenhum aspecto negativo da energia nuclear, mesmo que sejam postos frente a frente com a terrível ladainha de fiascos e fracassos financeiros da indústria nuclear. Eles seguirão em frente em seu caminho, levando assim ao fracasso o progresso real que eles dizem defender nas mudanças climáticas.
(tradução, sem revisão do autor, de Chico Whitaker) 29/09/2021