De novo no Chile, 42 anos depois do desaparecimento de Tulio

(Trecho das memorias de Stella e Chico Whitaker)

26 de agosto de 2023

Em 2015, quarenta e dois anos depois do desaparecimento de Tulio Quintiliano no golpe de Pinochet, em 1973 – uma tragédia que relato em outro trecho destas memorias – voltamos ao Chile: eu e Stella saindo de São Paulo com nossa filha Silvia e, vindas de Paris, Naná, a viúva de Tulio, e Flavia, filha de ambos.

Re-situando as pessoas e os fatos: Tulio chegara em Santiago em 1970, vindo diretamente da embaixada do Chile no Rio de Janeiro, onde estava asilado depois de ter sido preso e torturado pelo regime militar imposto no Brasil. Em Santiago conheceu minha prima Naná, vinda de Recife e também exilada, e com ela se casou. Stella e eu fomos os padrinhos desse casamento. Quando foi preso, no dia seguinte ao golpe, Tulio trabalhava como engenheiro na CORA, órgão do governo chileno encarregado da reforma agrária – o que por si só o tornaria “indesejável” para o poder instalado com o golpe. Flávia nascera um ano antes, e tinha sido levada ao Brasil pela sua avó Raquel – minha tia e madrinha. Só reencontrou sua mãe na Itália, pais que asilou Naná quando deixou o Chile. Algum tempo depois mãe e filha foram para a França, onde passaram a viver.

A ajuda da avó Raquel foi pedida pelos pais de Flávia depois que o Palácio de la Moneda, sede do Governo chileno, foi cercado por tanques, em 29 de junho de 1973. Naná e Tulio sentiram que o pior estava por acontecer, como os fatos demonstraram pouco depois.

O “tancazo”, como foi chamada essa ação militar, foi apresentado como uma iniciativa improvisada de oficiais de um Regimento de blindados, incitada pelo grupo de extrema-direita Patria y Libertad, frente à demora em derrubar Allende. Mas essa rebelião se encaixou bem nos planos dos golpistas porque, realizada pouco menos de três meses antes do 11 de setembro, permitiu que medissem o apoio que teriam. E talvez por isso a ação tenha durado somente meio dia. Mas quando as ruas próximas ao Palacio de la Moneda se encheram de curiosos observando à distância os tanques, vítimas fatais mostraram que não se tratava de mero desfile de tropas. Um cinegrafista sueco-argentino foi abatido com um tiro vindo da praça do Palacio, enquanto filmava a 100 metros o que se passava. O trágico vídeo em que registrou a própria morte circulou o mundo.

A tentativa de golpe foi, no entanto, contida pelos carabineros (espécie de Polícia Militar chilena) e pelo Exército, comandado pelo General Prats – um militar legalista que sucedera no seu posto a outro legalista, o General Schneider, assassinado em ação comandada pela CIA para impedir a posse de Allende, dois dias antes da ratificação da sua vitória eleitoral pelo Congresso. Mas ao longo dos dois meses seguintes se intensificaram os atentados de organizações de extrema direita e as campanhas para desprestigiar Prats. A oposição no Congresso, onde era majoritária, se somou a essa pressão. E em 23 de agosto Prats renunciou, sentindo-se muito desgastado, juntamente com dois generais que o apoiavam, e foi substituído no comando do Exército por Pinochet, seu subordinado de mais alto posto.

Mas Pinochet, que na falsidade que o caracterizou tinha ido cumprimentar Prats na porta do Palacio de la Moneda, por ter bloqueado a rebelião, já estava articulado com a conspiração e logo traiu o Presidente que o nomeara para o lugar de Prats: ativou a engrenagem do golpe que se desataria no 11 de setembro, dia em que Allende tinha planejado propor ao país um plebiscito sobre a continuidade de seu governo. E depois que as três Armas despejaram seu poder destruidor sobre o Palácio – com o apoio dos carabineros que então, para surpresa de Allende, também o traíram – recusou qualquer negociação e ofereceu ao Presidente um avião que o levasse a outro país – avião que bem “poderia cair”, como escapou de sua boca falando com seus auxiliares.

Traiu depois os próprios membros da Junta Militar, ao negar o rodizio estabelecido para sua chefia. E em meio aos crimes que foi cometendo, num dos golpes mais sangrentos ocorridos na América Latina, expandiu pelo mundo sua brutalidade mandando assassinar Prats um ano depois em Buenos Aires e, no ano seguinte, o ex-ministro Orlando Letelier em Washington.

Nossa viagem tinha dois objetivos: o primeiro era encontrar os restos de Tulio, para dar-lhes a sepultura que não tiveram, depois de o termos procurado com vida durante quase dois meses, em 1973. Em 1997, pensou-se que poderia ser de Tulio uma de duas ossadas de pessoas fuziladas, descobertas no cemitério de S. Francisco de Mostazal, localidade na periferia de Santiago. Naquela ocasião Naná foi avisada, foi colhida pelo Consulado chileno em Paris uma amostra do DNA de Flavia, e uma irmã de Tulio foi convidada a ir a Santiago com esse objetivo. A comparação dos DNAs deu resultado negativo; porém, a constatação de erros nos procedimentos até então usados para essas checagens, diante da enorme quantidade de restos humanos de vítimas da ditadura que foram sendo encontrados, provocara uma comoção nacional. Naná nunca tivera acesso ao processo relativo àquelas duas ossadas e não recebera mais nenhuma informação sobre o caso; continuava com a ideia de que um desses fuzilados poderia ser Túlio. Precisávamos saber.

O segundo objetivo era contribuir para a identificação e punição dos responsáveis pelo desaparecimento de Túlio. Minha filha Silvia já seguia de perto o processo judicial a ele referido: como diplomata em função na Comissão da Verdade do Brasil, ela ficara encarregada de recolher informações sobre os brasileiros desaparecidos no Chile. Nessa condição, travara uma ótima relação com os advogados do Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior do Chile, incumbido de levar adiante as ações criminais relativas aos mortos e desaparecidos da ditadura de Pinochet. Em 2014, o Programa abrira um processo para o caso de Túlio e posteriormente o juntara a outro – referido a dois tupamaros uruguaios que tinham desaparecido nas mesmas circunstancias, Alberto Fontela Alonso e Juan Angel Cendán Almada – para que ganhasse maior rapidez, com o aproveitamento das provas que já haviam sido produzidas no caso dos uruguaios. Naná e eu íamos agora prestar depoimento nesse processo, conduzido pelo juiz Mario Carroza.

Ao longo desses dias, nossas atividades transcorreram em três frentes: por um lado, o processo de Tulio no juizado, onde prestamos depoimento, e as informações que dele extraímos; por outro, a coleta de amostras de DNA mais seguras e completas para o registro de um perfil genético apurado de Tulio no banco de dados do Instituto Médico-Legal (que tinha sob sua guarda todos os restos mortais que iam sendo descobertos) para eventuais comparações posteriores; finalmente, a procura do processo relativo às ossadas descobertas em San Francisco de Mostazal.

A direção e os funcionários do Instituto Médico-Legal nos trataram com delicadeza e disponibilidade, por sentirem que tudo aquilo nos era muito doloroso, especialmente para Naná e Flavia – aos 42 anos de idade Flávia nunca tinha voltado ao país em que nascera, e o fazia naquele momento esperando encontrar os restos mortais de seu pai. Assim, com grande empenho e boa vontade, conseguiram localizar e nos ofereceram cópias completas das centenas de páginas do processo das ossadas, para que pudéssemos calmamente examiná-las no pequeno apartamento em que estávamos – alugado por Naná pela internet.

Lendo avidamente o processo à noite, eu considerei que os fatos nele apresentados – como a forma como tinham sido assassinadas aquelas pessoas e os sinais de identificação que as ossadas traziam – podiam confirmar a hipótese que eu tinha formulado em 73, do assassinato de Tulio ter ocorrido durante seu traslado da Escola Militar ao Tacna.

E até ali eu estava tão convencido dessa hipótese que até me referi a ela em meu depoimento ao Juizado. Mas enquanto ainda estávamos no Chile já comecei a abandonar tal interpretação, ao ler o processo relativo ao desaparecimento de Tulio, do qual os funcionários do Programa de Direitos Humanos, também extremamente atenciosos, também nos deram uma cópia. Esse processo continha informações sobre o fuzilamento dos membros do Guarda Armada de Allende – GAP, que ele chamava de Guarda de Amigos Pessoais – e depoimentos significativos de oficiais do Tacna, assim como de pessoas que nele estiveram detidas, mas sobreviveram.

Além disso, o Programa dos Direitos Humanos nos propiciou um encontro decisivo, com a viúva de um dos uruguaios desaparecidos nas mesmas circunstâncias que Túlio.

A leitura do processo das ossadas nos abalou muito, pela forma como dois homens foram fuzilados – um deles podendo ser Tulio – seus corpos foram desfeitos por cães e ratos e depois foram enterrados às escondidas num túmulo sem uso no cemitério dessa localidade.

Nele se relata que uma moradora das proximidades da ponte sobre um dos rios da periferia de Santiago ouviu, na noite de 15 de setembro de 1973, o som de metralhadoras. Na manhã do dia 16 outros moradores viram corpos nas margens pedregosas do rio. Uns se aproximaram, outros tiveram medo. Um deles foi comunicar o fato ao comissariado de polícia do bairro, mas foi desaconselhado a não se envolver, por ser perigoso. Logo os cães da área começaram a comer os corpos. Pedaços desmembrados foram levados para os quintais das casas ou para os bosques das imediações. Os ossos atraíram ratos. Uma viatura policial passou, constatou o que ocorria e seguiu adiante. O quadro trágico e o cheiro da decomposição ali perduraram durante cinco dias.

Outro morador com problemas de consciência contou a um frade franciscano o que estava acontecendo. O frade foi ao local com seu superior, e decidiram dar sepultura cristã aos corpos. Embora desaconselhados pelos policiais do comissariado, providenciaram com seus noviços a confecção de uma grande caixa de madeira, recolheram os ossos que restavam e os levaram ao cemitério junto à paroquia de San Francisco de Mostazal. Com o apoio do padre dessa paroquia conseguiram uma autorização sigilosa da Prefeita da localidade para enterrá-los numa cova sem uso. Pagaram o preço de sua desobediência com dois dias presos, sob a acusação de inumação ilegal. Mas os restos lá ficaram por 24 anos.

Em 1997, com a redemocratização do Chile, o padre da paróquia levou o fato ocorrido em setembro de 1973 ao conhecimento da Comissão que recebia tais informações. Nesse mesmo ano foi aberta uma investigação e determinada a exumação dos corpos. No processo, instaurado na comarca de Buín, há fotos da retirada dos ossos que restavam no túmulo, assim como da cruz que mostrou que eles não tinham ficado totalmente abandonados. Nela estava inscrita uma mensagem às almitas dos corposque lá estavam, deixada por duas vizinhas que também tinham tido parentes “executados” e cuidaram do túmulo ao longo de todos esses anos.

Levados os ossos ao Instituto Médico Legal, seus peritos concluíram que pertenceriam a dois homens, mortos pelas costas por projéteis – das metralhadoras ouvidas na noite de 15 de setembro de 73. Muitos depoimentos foram então colhidos dos que tinham vivido aqueles fatos e até do coveiro que enterrara a caixa trazida pelos frades, presente no cemitério por decisão própria no dia da exumação.

Em alguns depoimentos encontramos a confirmação de algo de que Naná já tinha sido informada: alguns moradores viram que um dos corpos portava um relógio de boa qualidade – que depois desapareceu. Ora, um pouco antes do golpe Naná tinha presenteado Tulio, no seu aniversário, com um relógio Ômega extrafino. E ele estava com seu relógio quando foram presos. Ela viajara em 2003 ao Chile para seguir essa pista. Isto reforçava a hipótese de ser de Tulio o corpo que o portava.

Quando, algum tempo depois, fomos informados pelo Instituto Médico Legal que as análises confirmaram que nenhuma das ossadas era de Tulio, nossa esperança de ter encontrado seus restos se desfez, tristemente.

Mas se enfraquecia minha hipótese de que Tulio tinha sido assassinado no traslado de Escola Militar ao Tacna. A leitura do processo de Tulio trouxera uma informação que parecia confirmar sua chegada ao Tacna, com o depoimento do coronel Valderrama, que posteriormente foi condenado por coautoria do crime de sequestro e desaparecimento de Tulio e dos tupamaros uruguaios. Era uma informação comovente, por nos fazer conhecer mais um traço positivo da personalidade de Tulio.

Inquirido sobre ter visto Tulio no Tacna, sendo-lhe mostrada sua foto, o coronel o negou, mas declarou que uma noite ao chegar no quartel viu no seu pátio de entrada um grupo de detidos aguardando encaminhamento, e que um deles, que lhe pareceu ser brasileiro, segundo ele conversava com os outros contando-lhes estórias que os faziam rir e mostrando-lhes como se dançava samba.

O comportamento desse “brasileiro” seguramente irritou o coronel – ele repetiu mais de uma vez esse depoimento, no processo. E provavelmente mentiu ao negar-se a reconhecer Tulio, porque era um dos responsáveis pela seção II do Regimento – de Inteligência – que interrogava os detidos e recomendava ao Comandante do Regimento o destino a lhes ser dado.

Para Naná, ao ler esse depoimento, aquele “brasileiro” só poderia ser Tulio – aliás parece ter sido o único com essa nacionalidade detido nesse quartel – porque gostava de samba mas principalmente porque seu modo de ser o levaria a se preocupar em diminuir a tensão vivida pelo grupo de detidos do qual fazia parte – aquele era o dia seguinte ao do golpe.

Outros testemunhos, de sobreviventes do Tacna, também indicaram que Tulio esteve detido nesse Regimento, porque com ele falaram – como o que o viu voltar do interrogatório com o rosto cheio de hematomas.

Mas talvez o testemunho mais decisivo foi o de Anne Bicheno, chilena, viúva do uruguaio Alberto Mariano Fontela Alonso, a cujo processo de desaparecimento fora apensado o de Tulio. Tivemos com ela um encontro comovente, quase ao final de nossa estada, proporcionado pelos funcionários do Programa dos Direitos Humanos.

Ficamos então sabendo que também fora liberada na Escola Militar e levada ao Tacna, na cabine do mesmo caminhão em que estava seu marido e Túlio e que tinha deixado Nana na rua de sua casa. Mas por estar grávida ela fora levada depois a outro Regimento, onde passara a noite, e onde seus familiares vieram buscá-la. Disse ainda que de dentro da cabine do caminhão, na parada no Tacna, pensa ter visto de longe seu marido – que era bem alto – e junto com ele alguém que, pela descrição, bem poderia ser Tulio.

Posteriormente, em outra viagem ao Chile em 2017, viemos a conhecer Diego, seu filho com Alberto Fontela. Ele então nos disse – mais de quarenta anos depois da morte do seu pai – que já não tinha nenhuma esperança de encontrar seus restos mortais, depois de ter procurado com sua mãe durante anos. E decidira – para poder viver – se acostumar com a ideia de que esses restos estavam em alguma profundeza do Oceano Pacifico.

Foi quando liguei os fatos. Antes disso, eu ficara sabendo que esse tinha sido o destino dos restos dos membros do GAP fuzilados, conforme é descrito com detalhes em matéria do jornalista Jorge Escalante (que também conhecemos nessa estada em Santiago, onde na condição de assessor do Programa de Direitos Humanos nos acompanhou em várias das nossas atividades), sobre “como morreram e desenterraram os homens de Allende”.

Esta matéria – baseada nos processos criminais contra os responsáveis pelo assassinato e desaparecimento de milhares de pessoas, e em entrevistas com os personagens neles citados ainda vivos – relata o modo como foram fuzilados os membros do GAP e assessores de Allende. E também o modo como foi realizada, em 1978, na área militar em que tinham sido fuzilados e enterrados, a “Operação Retiro dos Televisores”, com a qual Pinochet procurou fazer desaparecer todos os restos mortais de pessoas assassinadas após o golpe de 73.

Assim, já não tenho dúvida em abandonar a hipótese do assassinato no traslado, e cheguei à quase certeza de que Tulio foi fuzilado juntamente com os membros do GAP e assessores de Allende aprisionados numa das saídas do Palacio de la Moneda no início da tarde do dia 11. Tinham sido levados ao Regimento Tacna – para onde fora levado Tulio na noite do dia 12 – e foram fuzilados na manhã seguinte.

Outros dados da matéria citada tornam bastante plausível esta hipótese. Ele relata que na tarde do 11 de setembro chegaram ao Tacna dois ônibus com 49 detidos no Palacio de La Moneda, entre os quais os membros da Polícia de Investigações que faziam a escolta de Allende, sob a chefia de Juan Seoane Miranda, que foi quem deu essa informação. Todos foram postos numa das baias dos cavalos do Regimento, deitados de bruços com as mãos e os pés amarrados.

Na manhã do dia 12 chegou uma ordem do comando do golpe para que fossem liberados imediatamente os prisioneiros que pertenciam à Polícia de Investigações. Diz a matéria que ao meio dia foram soltos, e logo depois seu chefe. E prossegue dizendo que na noite desse dia o cabo que vigiava os prisioneiros na baia – a baia do GAP – foi advertido, segundo suas próprias palavras, que ali havia 27 detidos, e que todos os 27 deveriam ali estar, na manhã seguinte.

Nessa manhã esses prisioneiros, amarrados, foram deitados em um caminhão, cobertos com uma lona, e levados à área militar de Peldehue para serem fuzilados, por ordem direta do próprio Pinochet – depoimentos apresentados na matéria revelam que ele esteve no Tacna ainda no dia 11 e deu essa ordem, com palavras de ódio, quanto aos prisioneiros que estavam na baia do GAP. À frente do caminhão foi um jeep com vários militares e uma metralhadora pesada (Escalante detalha: uma metralhadora Rheinmetall alemã). Em Peldehue fizeram os prisioneiros descer do caminhão e caminhar, em grupos de três ou quatro, até a beira de um grande poço seco onde, antes de seus corpos caírem na fossa, metralhados pelas costas, gritavam consignas como Viva Allende! Viva a revolução socialista! E nessa fossa foram enterrados como caíram, depois que os que ainda gemiam foram mortos com tiros dos militares que comandavam aquelas execuções e, ao final, com granadas arremessadas na fossa.

Escalante conseguiu a muito custo, 29 anos depois daqueles fuzilamentos, entrevistar o suboficial que começou a metralhar os membros do GAP e assessores de Allende e, depois de abater cinco, largou a metralhadora e gritou: Não posso mais! Que vocês continuem matando! Foi então afastado da área e levado a uma sala por perto, e substituído na execrável missão por outros militares que passaram também a usar suas próprias armas para continuar a assassinar os que ainda esperavam sua triste vez. Esse suboficial foi depois afastado por um tempo da própria atividade no Exército, por problemas psicológicos.

Em 1978, na Operação Retiro de Televisores, os corpos dos fuzilados em Peldehue foram desenterrados, colocados em sacos e no dia seguinte – dia de Natal – atirados no Pacifico do mesmo helicóptero Puma utilizado pela Caravana da Morte, que foi uma das ações mais brutais da ditadura, no mês seguinte ao golpe, e cujo processo criminal foi o primeiro pelo qual Pinochet precisou se apresentar à justiça chilena, depois de destituído.

Ora, segundo o testemunho de um militar-enfermeiro que os contou, havia ali 33 corpos. Ou seja, não eram somente os corpos dos 27 membros do GAP e assessores de Allende amarrados numa baia do quartel. O que significa que não somente os membros do GAP foram levados a Peldehue na manhã do dia 13. De quem seriam os outros seis corpos? Pode-se perfeitamente supor que ali estavam também os de Tulio e os dos dois tupamaros uruguaios…

Isto nos permitiria esperar que um dia seja encontrado um resto mortal de Tulio, entre os fragmentos ósseos dos fuzilados em Peldehue que ainda ficaram dentro da fossa.

Somente ao consultar meus arquivos para escrever este texto atinei com uma coincidência macabra: no dia em que fomos testemunhar no processo de Tulio no Juizado de Mario Carroza, cruzamos na sala de espera com um militar condenado por crimes contra os direitos humanos que fora trazido da prisão, sob escolta policial, para prestar depoimento em outro processo. Um velho alquebrado, como comentou na ocasião Flávia – que se revelou ser nada menos do que o Coronel Pedro Espinoza Bravo que, antes de tornar-se o segundo homem da DINA (a temível polícia política de Pinochet), comandou a operação de fuzilamento de Peldehue.