Archive for ‘Outros textos ( a classificar)’

21/07/2022

Testemunho sobre a construção do primeiro Plano de Pastoral de Conjunto da CNBB – Chico Whitaker

Agradecendo o convite para participar deste seminário, na comemoração dos 70 anos da CNBB, com uma contribuição testemunhal sobre a maneira como foi elaborado em 64/65 o primeiro Plano de Pastoral de Conjunto da CNBB, eu começaria dizendo qual era o contexto em que se vivia e porque se tomou a decisão de elaborar esse Plano.  

Naqueles tempos, planejar as ações dos governos e das empresas, para que efetivamente alcançassem os resultados desejados, eram ventos que começavam a se espalhar por todo o mundo. Eles surgiram com a planificação da ação governamental na União Soviética, desde os anos 20, para promover o desenvolvimento econômico do país depois da destruição causada pela guerra civil. Nos anos 40, terminada a segunda guerra mundial, esta experiência estimulou os governos de outros países a também procurar, através do planejamento, maior eficácia e a diminuição de desequilíbrios sociais e de desperdícios na atividade econômica, com maior ou menor intervenção do Estado. No Brasil, uma movimentação em torno do planejamento começou a ocorrer mais intensamente em 1956, no Nordeste[1], e também nesse ano foi lançado o Plano de Metas do governo federal (1956-61), uma novidade na gestão governamental do país. Pouco mais adiante governos estaduais começavam também a fazer seus Planos de Ação. Esses ventos chegavam igualmente à Igreja, e o papa João XXIII, recém eleito, falou em 1959 sobre a necessidade de coordenar a ação dos membros da Igreja, e em dezembro de 1961, mesmo mês em que convocaria o Concilio Vaticano II, estimulou as Igrejas, em carta ao episcopado latino-americano, a planejarem sua ação.

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04/07/2022

Estaríamos vivendo no Brasil o colapso de nossas instituições? – Olivia Silva Telles e Chico Whitaker

Este texto👇 relata as conclusões de uma reunião com 25 pessoas.
Foi publicado também na edição impressa da Carta Capital de 06/07/2022; em Forum21br.com, aterraeredonda.com.br, e revistaforum.com.br .


No fim do mês de junho do corrente ano, ativistas reunidos no Núcleo Todos pelo Bem Comum avaliaram as iniciativas da sociedade civil brasileira, desde o primeiro ano do mandato do atual Presidente da República, para que as instituições republicanas impedissem que suas ações e omissões provocassem o descalabro que o país está vivendo.

A conclusão a que chegaram os levou a fazerem a pergunta preocupante colocada como título deste artigo: estaríamos vivendo no Brasil o colapso de nossas instituições?

De fato, se nenhuma sociedade está livre, numa conjuntura política infeliz, de eleger um mau governo, é precisamente para coibir abusos e desmandos que existem as instituições públicas, organizadas num sistema de freios e contrapesos, devendo atuar como verdadeiro sistema imunológico em defesa da saúde da democracia e da sociedade.

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20/06/2022

Indignação versus naturalização – Chico Whitaker

Em 2010, um diplomata francês de 92 anos, Stéphane Hessel, então o único redator ainda vivo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, publicou um pequeno livro com o título “Indignai-vos”. Com mais de dois milhões de exemplares logo vendidos em seu país e edições em muitos outros, esse texto inspirou movimentos como o dos “indignados” na Espanha, em 2011, que encheu as praças desse país gritando aos partidos, deputados e senadores, “vocês não nos representam”, o que levou a uma nova conformação do seu espectro político.

Mas há bastante tempo ouvimos e repetimos, no Brasil, que não basta nos indignarmos diante do que consideramos inaceitável – que é o que hoje, aqui, não nos falta. E que é preciso passar da indignação à ação, se quisermos que as coisas mudem de fato.

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23/05/2022

Na busca urgente de tábuas de salvação – Chico Whitaker

Tambem publicado em Forum21 e em A terra é redonda

Depois da tragédia que viveram e provocaram na Segunda Grande Guerra, muitos alemães se perguntaram: porque não acordamos a tempo? Hoje pesquisadores buscam entender o que teria ocorrido com uma grande parte desse povo, que ofertou ao mundo a obra de grandes filósofos, artistas e cientistas, mas elegeu um louco para governar o país, e aceitou se submeter aos seus desígnios cruéis e até a participar da execução de seus planos.

Mas nós, no Brasil, não fomos progressivamente “normalizando” uma sucessão de ações inaceitáveis do nosso desgoverno e de situações por ele criadas? Teremos caído numa armadilha semelhante a que imobilizou os alemães, apesar da grande maioria do povo brasileiro – 61% dos eleitores, se considerarmos também as abstenções e os votos brancos e nulos – ter se recusado em 2018 a eleger o candidato a Presidente da Republica que na verdade era o menos preparado e o menos confiável?

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17/11/2021

E o processo criminal? Chico Whitaker

(tambem publicado em Carta Capital – e em A terra é redonda – )

Nós todos assistimos estarrecidos o espetáculo que nos foi oferecido pelo capitão-Presidente no chamado dia da Pátria. O auge, no enredo que montou, foi quando declarou, em São Paulo, que não mais respeitaria decisões do Supremo Tribunal Federal. Ele assim assumiu, alto e bom som, que cometeria um crime de responsabilidade por desrespeito à Constituição – quase convidando os demais Poderes da República a prendê-lo em flagrante. Sua tentativa de virar a mesa passaria também, em Brasília, por cima dos escombros do Supremo Tribunal Federal, esmagado pelas rodas de grandes caminhões do agro negócio, seu principal aliado.

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03/10/2021

Será possível ver Bolsonaro fora ainda em 2021? – Chico Whitaker

Tambem publicado em https://aterraeredonda.com.br/sera-possivel-ver-bolsonaro-fora-ainda-em-2021/

Apesar de bastante numerosa, não deixou de ser um pouco frustrante a participação nas manifestações de 2 de outubro, em perto de cem cidades brasileiras. E não deixa de ser penoso constatar que a presença ainda foi pouco “popular”, como se diria, isto é, ainda é pouco expressiva a participação de pessoas sem maior vinculação a partidos, sindicatos e movimentos sociais. Nesse sentido, talvez não tenha sido boa a escolha de um sábado para realizar as manifestações – um dia que é de trabalho para muitos. Além disso, a oposição a Bolsonaro não utiliza de modo significativo a oferta de transporte para encher as ruas, como o fazem maciçamente os apoiadores do governo, como vimos recentemente em 7 de setembro.

Tendo como bandeira principal o “Fora Bolsonaro” e o impeachment para afastá-lo, este foi o “recado” dado pela “voz das ruas” à Câmara dos Deputados, para que pelo menos discuta formalmente os mais de 150 pedidos acumulados na mesa do seu Presidente.  Resta saber se será ouvido. Podemos ter dúvidas a respeito. O impeachment se encontra de fato bloqueado por uma maioria na Câmara dos Deputados cooptada por Bolsonaro pelos meios espúrios que sabemos. Seu Presidente, que faz parte dessa maioria, nem encaminha os pedidos à discussão da casa, como aliás também não o fez o Presidente anterior.

Na verdade, pode-se dizer que a maioria da Câmara atual representa somente uma minoria de brasileiros ainda fieis a Bolsonaro, e só tem ouvidos atentos – para se aproveitarem também – à voz dos setores sociais oportunistas que tiram proveito de tudo, até da desgraça popular. Essa maioria está de fato a serviço do principal objetivo que Bolsonaro definiu, desde que foi empossado: destruir todos os avanços civilizatórios que a sociedade brasileira conseguiu, penosamente, desde o fim da ditadura militar.  

Na verdade, vivemos condições semelhantes às vividas pelos espanhóis quando surgiu em seu país, em 2011, o movimento dos “Indignados”. Em suas manifestações, gritavam ao parlamento, “vocês não nos representam!”. A diferença é que no Brasil está sobrando pouco espaço para que cresça a indignação que existe.

É visível a “naturalização” da matança de que somos vítimas, apesar de todos nós já termos perdido – para sempre – bons amigos e familiares. Isto é ainda mais doloroso porque mais de metade dessas mortes poderia ter sido evitada. Foi provocada, e o é até hoje, pelas ações e omissões do capitão-Presidente e pelo seu negacionismo, assumido por todo o seu governo. Na prática pouco a pouco vamos nos tornar campeões do mundo nesta competição macabra, em que somos ainda vice-campeões, atrás dos Estados Unidos.

Por outro lado, a militância foi se burocratizando, nos movimentos e partidos políticos e nos agentes do Estado que deveriam proteger direitos. E como se tudo isso não bastasse para acabar com ilusões, os cidadãos e cidadãs “sem poder” que desejariam de fato o Fora Bolsonaro se veem paralisados por suas lideranças políticas e pelos candidatos a essa liderança. Estes, um ano e meio antes, pensam muito mais nas eleições de 2022 e nos seus projetos políticos coletivos e pessoais. A todos os níveis já se multiplicam candidatos lutando por redutos eleitorais, apoios, alianças e recursos, dentro da cultura competitiva própria ao regime econômico em que vivemos, que torna também difícil a formação de “frentes” mais poderosas para afastar o Presidente da República.

A maioria dessas lideranças se acomoda à permanência, até essas eleições, do personagem moralmente repugnante que ocupa a Presidência da República, como se estivesse diante de uma doença degenerativa terrível, mas sem remédio. Mentalmente desequilibrado, ele disse, antes de ser eleito, que foi “formado para matar” – nem Hitler foi tão explicito em seus desígnios. E para isso resolveu se tornar “cumplice do vírus” que assola o planeta, como já disse Miguel Reale Junior, um dos assessores jurídicos da CPI da pandemia.  

A estratégia política dessas lideranças é menos afastá-lo do que deixá-lo se desgastar para que saia depois da contagem dos votos, como se vivêssemos tempos e condições normais de “mudança de governante”, como nas alternâncias no poder próprias a países mais democráticos que o nosso. Por isso consideram uteis manifestações com o grito Fora Bolsonaro, mas só para desgastá-lo, já que no fundo não acreditam que seja possível conseguir o afastamento do atual Presidente antes das eleições. Pode-se até dizer, em outras palavras, que para eles o grito “não é para valer”. Com o que deixam falando sozinhos os que consideram que é preciso tirar o criminoso ainda este ano de 2021 do cargo que conquistou. Para os que assim pensam este objetivo é inescapável porque, enquanto ele permanecer Presidente, continuará a usar todo o poder objetivo e simbólico que tem no seu cargo para confundir o povo. E porque uma política de saúde que estanque o morticínio causado pela Covid 19 não será possível com o governo sob sua Presidência.

Esquecem-se, os voltados para 2022, que para ser eleito ele usou, massivamente, a difusão de mentiras direcionadas a parcelas da população passiveis de serem enganadas, e a montagem de uma farsa que o vitimizou aos olhos dos incautos e o protegeu de debates eleitorais que o desmontariam. E que, no poder, novas mentiras e novos teatros farsescos serão sempre possíveis, em tempos de internet em que inteligências mal intencionadas descobriram como usar a matemática dos grandes números, as fake news e as redes sociais para “orientar” as maiorias.

Para piorar as perspectivas, aqueles que só pensam em 2022 centram sua atenção na conquista da chefia do Poder Executivo. Isto é, fazem muito pouco ou nada, como partidos e como movimentos sociais, para cuidar da futura composição do Poder Legislativo. Como é nossa tradição, não se fala da importância do voto para o Legislativo. Com isso, também como sempre, poderão prevalecer, entre os eleitos para esse Poder, os oportunistas e corruptos que visam chegar a ele para ganhar dinheiro com “rachadinhas” e outros truques, ou chantageando o Executivo e as empresas que ele contrata, quando estes dependem de seu voto no Parlamento para legalizar suas ações. E de novo teremos tristemente que gritar: “vocês não nos representam!”

Mas ainda mais preocupante é que quem sonha em ganhar eleições em 2022 desconsidera tudo que a mente doentia de Bolsonaro poderá preparar até lá até para impedir a realização das próprias eleições, ou pelo menos para negar seus resultados. E dessa forma criar situações ainda mais dolorosas para todos nós. Ele já não disse, com todas as letras, que a única maneira de resolver efetivamente os problemas do Brasil é fazê-lo viver uma guerra civil?

Seria necessário, portanto, encontrar uma forma de furar o bloqueio generalizado ao impeachment de Bolsonaro, ou então algum outro caminho para afastá-lo urgentemente. Ora, descartado o caminho de uma decisão do TSE anulando as eleições do 2018 por crimes eleitorais, por ser quase impossível politicamente, e o da interdição de Bolsonaro por insanidade mental, por ser irrealizável tecnicamente, resta o do processo criminal. Este caminho foi aberto já em março deste ano, sem que muito se noticiasse, pela Associação Juízes pela Democracia – AJD, em representação que fez ao Procurador Geral da República – PGR. Sua iniciativa foi reforçada em seguida por três outras representações no mesmo sentido: do Conselho Federal da OAB (com o apoio da Comissão Arns), do Movimento 342 Artes e da Associação de Familiares de Vítimas da Covid – AVICO.

Foi nesse quadro que um dos grupos políticos de que participo, autodenominado “Todos pelo Bem Comum”, deixou de lado, por ora, seu objetivo inicial, que era o de estimular a multiplicação de núcleos de reflexão e ação para a auto formação política da base da sociedade – uma vez que uma das causas da eleição do atual irresponsável Presidente foi o abandono dessa formação pelas organizações sociais, partidos e Igrejas. E lançou uma campanha de apoio às representações ao PGR, com o nome “Ô Ministério Público, Denuncia Já!” que visava torna-las mais conhecidas, assim como o caminho que propunham de processo criminal para afastar Bolsonaro. Criou para isso uma plataforma digital (ocandeeiro.org) e um abaixo assinado https://www.change.org/ÔMinisterioPublicoDenunciaJá. E vem promovendo debates ao vivo na internet – que, uma vez gravados, continuam no ar na plataforma, para serem vistos e ouvidos por quem se interesse. Assumida por 40 organizações da sociedade civil, a campanha era dirigida ao corpo de Procuradores e Procuradoras Federais, para que cobrassem do seu chefe máximo o cumprimento de seu dever ético.  

Esse novo caminho tinha à frente, no entanto, dois obstáculos, que o tornavam difícil, mas não impossível: o da inação comprovada do Procurador Geral da República no encaminhamento dessas representações – o que até já levou a Comissão Arns a representar ao Supremo Tribunal Federal denunciando o crime de prevaricação que o PGR estaria cometendo; e o da autorização, pela Câmara, de abertura de um processo criminal, para o que seriam necessários os mesmos 342 votos exigidos pelo impeachment.

Quanto ao PGR, é certo que ele é uma das blindagens de proteção com que conta o Presidente criminoso. Recentemente entrou até na área do nuclear, menos frequentada pelo Ministério Público, para atender a interesses a cujo serviço está o atual governo: solicitou ao STF declarações descabidas de inconstitucionalidade de preceitos constitucionais estaduais que buscam impedir a multiplicação insana de usinas nucleares no Brasil. Mas ele começa a sofrer uma pressão contra a sua inação para proteger Bolsonaro em seus crimes na pandemia, pressão essa que vem de dentro da própria instituição que chefia, assim como até do STF.

Além disso, uma luz no fim desse túnel começou a piscar: a CPI da pandemia também apresentará ao PGR um pedido de denúncia criminal de Bolsonaro ao STF, elencando ainda mais crimes do que os apresentados nas representações já feitas. Ele terá, portanto, ainda maior dificuldade de continuar em sua inação quando receber, já no mês de novembro, as milhares de páginas do relatório da CPI.

Quanto à dificuldade de autorização, pela Câmara, de um processo criminal, um pedido com esse objetivo vindo do STF já terá mais peso do que uma centena de pedidos de impeachment vindos da sociedade civil. E se esta se mobilizasse e vencesse a inação do Procurador Geral da República, essa primeira vitória já criaria brechas na resistência da maioria cooptada por Bolsonaro, e já contaríamos com muitos mais “sem poder” para passar a pressionar os Deputados Federais.

Entretanto, como numa democracia toda ação política encontra resistências, o caminho do processo criminal ainda se encontra semi-bloqueado. Proposto a quase sete meses, continua literalmente ignorado por partidos, sindicatos e movimentos sociais, e desconhecido da grande maioria da população.

Os jornalistas, blogueiros, jornais e TVs com quem supostamente se poderia contar ainda não registraram, em seus carnês, a necessidade de pressionar o PGR. Já se ocupam dos tradicionais acertos e enfrentamentos entre os candidatos a Presidente que surgem no pântano político. Os próprios organizadores da campanha Fora Bolsonaro ainda não descobriram a possibilidade de processo criminal como hipótese de trabalho. Nos discursos das manifestações do dia 2 ele não foi citado por nenhum orador, que eu saiba, nem surgiu em nenhuma faixa ou cartaz que tenha atraído a atenção na massa de reivindicações levantadas, ao lado dos pedidos de impeachment. E como as manifestações do dia 2 foram menos massivas do que nós todos desejaríamos, já se diz que não era isso que se pretendia, mas sim começar o caminho pela construção da unidade para vencer o embate eleitoral com Bolsonaro – em 2022…

Por sua vez, a campanha de apoio ao processo criminal, lançada pelo Candeeiro três meses depois da primeira representação ao PGR, isto é, há quatro meses, permanece igualmente desconhecida, no limbo, já que lhe faltam recursos para difundi-la, como os que empresários gananciosos colocam à disposição de gabinetes do ódio e afins para espalhar fake news. Seu abaixo assinado avança vagarosamente, competindo com centenas de outros provocados pelas “boiadas destruidoras” que todos os setores do governo Bolsonaro lançam sistematicamente no Congresso e sobre os brasileiros. E nem todas as organizações que representaram ao PGR – igualmente solicitadas, intensamente, pela resistência às “boiadas” – encontram tempo para tornar suas próprias representações mais conhecidas, menos ainda para participar das iniciativas do Candeeiro, com suas lives. como se também não confiassem tanto no caminho que abriram para o afastamento de Bolsonaro.  

Poderíamos trazer muito mais constatações para esse muro de lamentações, na dificuldade enorme que estamos vivendo de superar o desafio de “eliminar do horizonte político do Brasil a figura sinistra de Jair Bolsonaro e a cepa de micróbios nazistas que habita a sua alma”, como escreveu Luiz Francisco de Carvalho Filho em artigo recente na Folha (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luisfranciscocarvalhofilho/2021/10/jair-bolsonaro-desperta-no-homem-comum-o-que-ha-de-pior.shtml )

Será que teremos que nos “acostumar” com o pesadelo do tenebroso e cruel Bolsonaro como Presidente da República até o fim de 2022, se lá conseguirmos chegar sem que a Covid nos vitime? E já que citamos símbolos religiosos, será que por agora ficaremos sem outra saída senão a de pedir a Deus que volte a ser brasileiro, antes que coisas ainda piores nos aconteçam?

03/10/2021

21/09/2021

Minorias abraâmicas – João Baptista Herkenhoff

A expressão minorias abraâmicas foi criada por Dom Hélder Câmara.

Na política, nas igrejas, nos espaços sociais em geral, a minoria não comanda.


Numa visão pragmática, a minoria deve submeter-se à maioria, ainda que essa maioria escravize a minoria.


Através da TV, das emissoras de rádio e dos jornais, podemos tomar conhecimento dos resultados das pesquisas de opinião.


Se as pesquisas forem honestas registrarão o pensamento majoritário e o pensamento minoritário.
Dom Helder foi arcebispo em Olinda e Recife nos tempos da ditadura de 1964.


Antes tinha exercido o múnus episcopal no Rio de Janeiro.


Sua saída ou expulsão da mais importante e influente cidade do país não foi explicada, nem tinha de ser explicada, pois Roma detinha, como ainda detém, o poder de mandar um Bispo para onde queira.
Certo é que Dom Hélder foi mal compreendido, tanto pela sociedade dominante, quanto por membros da própria Igreja a que pertencia.


Do seu exemplo e de suas palavras podemos extrair  lições perenes.


Dom Helder nos ensinava que quanto mais escura fosse a noite, mais luminosa poderia ser a madrugada que anuncia o novo dia.


Isso fazia com que nunca desanimasse diante das dificuldades que enfrentava,
tanto no nível social e político, como nas relações eclesiais.


Ele acreditava na promesssa do profeta bíblico: “o deserto se transformará em jardim”.


Mesmo aquilo que, no mundo e ao redor de nós, parece uma situação impossível de ser transformada, pode sim ser superada através do pensamento e do trabalho de base.


Dom Hélder dizia que Deus deu ao ser humano o poder e a responsabilidade de não se conformar com o sofrimento do inocente, mas de combater o mal e a injustiça.


Dom Hélder dizia:
Nenhuma felicidade pode basear-se na infelicidade dos outros, porque ofenderia o sentido de justiça que diz respeito a todos (…)
Deus deu ao ser humano o poder e a responsabilidade de não se conformar com o sofrimento do inocente, mas de combater o mal e a injustiça.
O mundo não mudará pela ação isolada de líderes esclarecidos e sim pelo empenho comunitário de grupos de resistência e de profecia
que se consagrem a transformar o mundo a partir de uma profunda convicção de fé no ser humano e na vida.

A última palavra neste mundo não pode ser a morte mas a vida!


Nunca mais pode ser o ódio, mas o amor!


Precisamos fazer com que não haja mais desespero e sim esperança.


Nunca mais vençam as mãos enrijecidas contra o outro:
Mãos estendidas! Unidas na solidariedade e no amor para com todos”.


Dom Hélder está para ser proclamado santo – canonizado. Que alegria será isto para o povo brasileiro!

*João Baptista Herkenhoff

10/09/2021

PLANEJAMENTO E PASTORAL DE CONJUNTO – Chico Whitaker

O presente texto, escrito em 1966, foi uma das contribuições contidas no livro PASTORAL DE CONJUNTO, da Editora CERIS, coleção Sociologia e Pastoral, publicado em 1968. Contem reflexões que alimentaram o livro PLANEJAMENTO SIM E NÃO, publicado em 1976 (Editora Paz e Terra), e que parecem uteis até hoje.              

Por que Planejamento?

Será realmente necessário introduzir as técnicas de planejamento – na linha de nosso tempo, na Pastoral?

              Sem dúvida, há uma grande convergência no atual desenvolvimento das Ciências Humanas e Sociais. A interdisciplinaridade é palavra mil vezes pronunciada. Desenvolvimento já adquire a conotação do integral.

              A realidade é uma só, una. Complexa e orgânica. À medida que analisávamos sob diferentes prismas, fomos percebendo a visível interdependência das diversas facetas.

              A Pastoral não poderia fugir à marca do tempo. Passou-se a falar em Pastoral de Conjunto: o resultado obtido nascerá da ação interdependente de todos, em todos os aspectos da vida. Se a ação é interdependente, se o resultado é do conjunto, percebe-se a necessidade de conjugar as tarefas de todos e todos os tipos de tarefas.

              Mas quanto mais complexo o problema e mais difícil o objetivo, quanto maior o número de agentes e mais diversificadas as ações, maior grau de racionalidade, organização, prudência é exigido. É preciso analisar com muito maior precisão os objetivos e as responsabilidades e possibilidades, prever e estruturar com muito mais cuidado o conjunto orgânico de ações que determinarão o resultado efetivo.

              A este cuidado, a esta prudência, a este uso adequado de capacidade humana de conhecer, refletir, decidir, prever, organizar, é que se chama comumente de planejamento.

              Hoje já não se pode falar de desenvolvimento – objetivo basilar de múltiplas intervenções do homem na realidade do mundo – sem pensar em planejamento. Podemos realizar a Pastoral de Conjunto – conjugação completa da ação pastoral de todos em todos os setores – sem nos utilizarmos das técnicas de planejamento?

              A inteligência humana foi capaz de desenvolver uma série de instrumentos de trabalho – com o auxílio das ciências humanas e sociais e também da matemática, da física – que nos permitem escolher com razoável grau de precisão qual a melhor alternativa na decisão sobre o que fazer, como fazer, quem fazer, quando fazer, quanto fazer. De posse desses instrumentos, nossa capacidade de definir o melhor comportamento no futuro ganha em adequação, racionalidade, prudência, segurança, realismo.

              Evitamos, então, o desperdício, utilizando mais plenamente nossas reais possibilidades, construímos sistemas que permitam um respeito mais profundo aos critérios éticos que devem balizar nossas ações, pela utilização de instrumentos e técnicas que construímos com a inteligência que Deus nos deu.

              Não podemos senão pedir que a graça nos ilumine, em nossa tentativa de tornar cada vez mais corretas nossas decisões para bem cumprirmos a tarefa de preparar os caminhos.

              Mas são muitas as técnicas e os instrumentos, são diversas as exigências do desejo de acertar. Procuremos identificar o essencial. É o objetivo desse pequeno estudo[1].

Planejamento menor e Planejamento maior

O planejamento é um jogo de perguntas e respostas. Estamos sempre propondo alternativas e perguntando: qual a mais correta? A resposta corresponderá a uma escolha, a uma decisão

              Para atingir um determinado objetivo, qual o melhor caminho, entre os possíveis? Baseando-nos na formulação dos caminhos possíveis e a partir da definição inicial do objetivo, medimos e calculamos, analisamos dados conhecidos e levantamos dados até então não conhecidos, fazemos projeções, imaginamos comportamentos futuros, realizamos experiências, avaliamos prazos, sopesamos custos e disponibilidades. Por fim, respondemos. E continuamos a responder, procurando, então, fixar metas, prazos, responsabilidades, custos, controles, sistemas de avaliação, numa série contínua de decisões, fundamentadas nas reais necessidades que nossa ação pretende atender e nas nossas reais possibilidades de agir.

              O planejamento, enquanto processo, continuará questionando nossa ação, durante e depois, para corrigir a tempo os enganos de previsão, e para alimentar a ação seguinte na experiência da anterior: nossos diagnósticos estavam corretos, levamos em conta, de fato, todas as possibilidades e todos os problemas, fizemos as escolhas mais adequadas?

              Sem dúvida, a utilização das fórmulas, aparelhos, gráficos e métodos de planejamento para responder a todas essas perguntas, para fundamentar todas as escolhas, nos fará ganhar em eficiência. Rotinas e sistemas bem analisados, cargas de trabalho e responsabilidades bem distribuídas. Estaremos cada vez mais seguros de atingir nosso objetivo.

              Mas este tipo de planejamento nós ainda poderíamos chamar de planejamento menor.

              Não basta questionar antes, durante e depois da ação. É preciso questionar a própria ação. É preciso perguntar se o próprio objetivo definido é válido. É preciso estabelecer claramente, como exigência prévia, onde queremos chegar, com a ação que pretendemos planejar. E, depois disto, verificar se a ação pretendida é de fato a ação desejável, para chegarmos onde pretendemos chegar.

              O planejamento, assim, ganha toda a sua dimensão. Com base em uma atitude questionadora total. Passa a ser planejamento maior.

              Diríamos, sem sombra de dúvida, que nos interessa o planejamento maior. Qualquer que seja o nosso setor de atividades, é preciso extrair do planejamento todas as suas possibilidades criadoras, que só um planejamento maior permite. Mas, na pastoral, essa exigência ganha uma importância especial.

              Muitas vezes à força de repetir os mesmos sistemas, as mesmas tarefas, acabamos por esquecer o porquê desses sistemas e dessas tarefas.

              Modificam-se os costumes, mudam-se os usos, evoluem os problemas, aguça-se o conhecimento. O objetivo imediato de nosso sistema e tarefas pode ter perdido o sentido no quadro geral da evolução da realidade, mas continuamos. O Planejamento menor, que praticamente só reorganiza, se aplicado aos nossos sistemas e tarefas, poderá até nos tornar capazes de comparar previsões com realizações. Mas, tragicamente, nem perceberemos que o que fazemos já não tem lugar. Que mudou a linguagem, alteraram-se as necessidades. Nossa ação já não nos leva a mais nada. Mudou tudo, mesmo nós.

              Muitas vezes, alguns de nós chegam, mesmo, a compreender e a exprimir melhor o que somos de fato, o que queremos de fato. E esse aprofundamento exigiria alterar estruturas aparentemente definitivas, recomeçar, exigir mais, modificar nossa própria maneira de ver as coisas, repensar nossa visão de mundo e nossa missão no mundo. O Planejamento menor aplicado em nossos trabalhos poderá nos encobrir essas descobertas. Porque nos dará a satisfação de uma eficiência imediata, a calma de um sistema organizado. O Planejamento menor somente mede os resultados, relativamente às metas preestabelecidas. Ele não nos leva a verificar se os resultados obtidos conduzem à realização de objetivos mais profundos, se a ação realizada tinha sentido e validade no contexto em que realmente nos encontramos.

              O Planejamento menor pode significar o prolongamento não desejado de instituições, sistemas e objetivos superados.

              Antes, nenhum planejamento, portanto, do que somente o menor. Especialmente na Pastoral.

              O que é preciso é encontrar caminhos cada vez mais adequados à realidade atual, do meio em que vivemos, dos instrumentos de que dispomos, dos problemas que enfrentamos, das reais necessidades que pretendemos atender. Que não serão, necessariamente, caminhos novos, mas também podem não ser os mesmos que até então trilhávamos. Precisamos questionar nossos próprios objetivos, nossa própria ação, e não, simplesmente, organizá-la. Precisamos de um planejamento criador.

              Tudo isso exige humildade. E coragem. Mas seremos incoerentes conosco mesmos – e o que é pior, estaremos até mesmo desservindo – se nos contentarmos com o planejamento menor.

              Até onde, entretanto, deveremos ir, questionando nossos objetivos?

              É uma questão cuja resposta nos leva ainda mais longe.

Objetivos Intermediários e Objetivos Finais

Na realidade, é sempre possível, diante de um objetivo definido, perguntar de novo: para que? Até chegarmos ao que consideramos ser nosso objetivo final.

              Cada um de nossos atos diários é passível de uma análise desse tipo: visamos, com esse ato, realizar um objetivo imediato. Mas esse objetivo imediato é intermediário relativamente a um outro objetivo que o contém e o exige. Precisamos que nosso trabalho seja remunerado para que possamos, entre outras coisas, comprar alimentos. Precisamos comprar alimentos para que nos alimentemos. Precisamos alimentar-nos para manter nosso equilíbrio biológico. Precisamos manter nosso equilíbrio biológico para nos mantermos vivos. Precisamos manter-nos vivos, por quê? Será a resposta final. E, por ser final, decisiva. Do tipo de resposta que dermos dependerá toda a nossa maneira de nos mantermos vivos. Ou, se não soubermos dar essa resposta, ao não encontrarmos sentido na vida, estaremos pondo em dúvida até mesmo a necessidade de comprar alimentos. E, para isso, ter remuneração para nosso trabalho. O sentido de nossa vida pode, ainda, mudar toda a nossa formulação dos objetivos intermediários. Poderemos, por exemplo, dentro de uma determinada finalidade dada à vida, buscar no alimento, além da manutenção do equilíbrio biológico, um prazer maior do que aquele que normalmente o acompanha, a tal ponto que poderemos até provocar o desequilíbrio biológico. E então, ou estaremos sendo incoerentes, ou inconscientes. A não ser que tenhamos a coragem de enfrentar nossos verdadeiros objetivos finais.

              O Planejamento maior, para ser maior, precisa chegar até os objetivos finais. Até os objetivos decisivos, dos quais depende todo o resto da cadeia de consequências.

              Melhor ainda, o planejamento maior, para ser maior, deve partir dos objetivos finais. E, desse vértice que é o término de tudo, começar a construir o leque de consequências e exigências, até os nossos pequeninos atos diários, por mais pobres que sejam. O leque da Pastoral de Conjunto: todas as ações de todos, integradas num conjunto orgânico, em que cada coisa tem sua função, num complementar-se harmônico, voltado para um mesmo objetivo final. O vértice construindo a unidade. Tudo dele saindo e a ele chegando.

              Na Pastoral, estaremos extraindo todas as possibilidades de um planejamento criador quanto mais conseguirmos libertar-nos de fórmulas e sistemas, para poder analisar essas fórmulas e sistemas à luz das exigências de nosso objetivo final.

              Na Pastoral, estaremos perigosamente nos expondo a erros se nos contentarmos com objetivos intermediários, típicos do planejamento menor, e que prolongam a vida de métodos de trabalho e tipos de presença que podem estar-nos desviando de nosso vértice real.

              Em tempos de Vaticano II, a CNBB, em seu Plano de Pastoral de Conjunto, formula o objetivo final da ação da Igreja: “Levar todos os homens à plena comunhão de vida com o Pai e entre si, em Jesus Cristo, no dom do Espírito Santo, pela mediação visível da Igreja”. E, em seguida, aponta os seis grandes caminhos e degraus que levariam à realização desse objetivo final.

              Será esse o vértice de nossa ação da Pastoral? Tudo a ele tem que se referir. Por mais longas que sejam as cadeias de “para quês”. E, através das cadeias com elos uniformes, sem saltos simplificadores.

              Caso contrário, estaremos agindo somente para nos justificarmos, sem sabermos exatamente qual o sentido de nossa ação.

              Cada vez mais homens em cada vez mais plena comunhão com o Pai e entre si. Nossa ação se arrastará ao longo dos tempos, perseguindo um objetivo final que pretenderíamos atingir no fim dos tempos. Nosso esforço todo será para cada vez mais dele nos aproximarmos. Nossa ação não poderá, entretanto, escapar de formulações intermediárias, resultantes da situação concreta que vivemos e da própria distância em que nos encontremos da realização do objetivo final. Mas o objetivo final tem que estar sempre diante de nós, porque dele partimos e a ele queremos chegar, para definir nossos objetivos intermediários, através da realização desses mesmos objetivos intermediários, é que os tornam, de fato, legítimos.

              Formulada a cadeia de objetivos, especificadas as providências para realizá-los, até as pequenas ações diárias através de uma escolha entre alternativas, com o auxílio das fórmulas, métodos e gráficos e até as máquinas que os técnicos em planejamento desenvolveram, estaremos mais seguros de andar pelos caminhos certos.

              Mas há uma exigência fundamental a ser respeitada nessa escolha, como complemento essencial ao bom uso das máquinas e das fórmulas: a presença, nas decisões, daqueles que vão agir.

Participação

Os técnicos em planejamento chamam a atenção para dois argumentos em favor da participação nas decisões sobre a ação daqueles que nela vão tomar parte, realizando-a ou sofrendo-lhe as consequências.

              Em primeiro lugar, um argumento utilitário: se participamos da decisão, nós nos corresponsabilizamos por ela. Aderimos. E, por causa disso, tudo faremos para que a ação pretendida se realize como previmos, e atinja realmente os resultados pretendidos.

              É uma regra para a eficiência da ação. Realizaremos mal atos cujo sentido não compreendemos, que não sabemos a que levam, com os quais, muitas vezes, não concordamos. Executá-los-emos sem lhes extrair todo o rendimento possível. Sem sermos capazes de improvisar um detalhe não previsto, mas que se tornou imprescindível à consecução do objetivo final. Somos pessoas humanas, e não máquinas. Muitos se utilizam falsamente dessa regra, criando sistemas de pseudo-participação, somente para criar um clima de adesão. Cedo ou tarde o equívoco mostrará seus efeitos. É preciso participação real nas decisões essenciais, na compreensão efetiva da mecânica interna das ações programadas. Única capaz de fazer crescer o agente, tornando-o o autor, preparado para criar ao longo da ação. O segundo argumento em favor da participação é uma exigência da prudência: quem vive a ação, realizando-a ou sofrendo-lhe os efeitos, traz uma observação da realidade que o homem de gabinete não pode descobrir sozinho. E a ação programada ganha em realismo.

              Quantas vezes nossas decisões se mostram artificiais na previsão de providências que acabam por nem ser realizadas, porque nos faltou uma informação importante sobre a situação de fato que só quem estivesse “na base” poderia obter. Será da combinação das observações de quem está vendo “de fora” com as experiências de quem está vivendo “dentro” que resultará na decisão mais realista: a decisão das reais necessidades, a escolha mais exata do objetivo a perseguir, a melhor previsão de capacidade e de prazos, a mais adequada distribuição de responsabilidades.

              Na Pastoral, a participação tem ainda dois outros fundamentos.

              Primeiro, é a pedagogia. No aprofundamento dos objetivos efetivos, na discussão sobre aonde se pretende chegar. Seu povo participa, ele cresce no conhecimento da Palavra.

              Segundo, é a vivência do Povo de Deus. Nesta perspectiva, a participação, de vantagem que era, passa a ser exigência. Será o povo de Deus, cada um em sua função, que assume como um todo a responsabilidade da missão da Igreja. Todos sujeitos do apostolado. Pela palavra, pelo testemunho, pela presença.

              O Planejamento, para ser de fato maior, além de partir dos objetivos finais, precisa, também, ser participado. Planejamento sem participação ainda é menor. Na Pastoral, especialmente, porque será incoerente com a definição dos objetivos finais.

              Há várias maneiras de obter, na prática, a participação. Não há dúvida que não é fácil. Há que superar dificuldades técnicas: como fazer com que todos falem, opinem, co-decidam. Em acréscimo às dificuldades técnicas, há que superar, também, dificuldades psicológicas, tradições contrárias, preconceitos.

              O bom uso da técnica de planejamento, entretanto, permitirá montar os sistemas adequados a cada caso para a participação. Por exemplo, através da discussão em círculos e grupos de trabalho, previamente estruturados, de um questionário básico comum, cujo conteúdo permita definir linhas de trabalho, prioridades, caracterizando e especificando a ação desejada. A partir, sempre, dos objetivos finais da ação da Igreja, que definem sua missão. Podendo-se, até, prever, para o caso de um planejamento diocesano, uma assembleia representativa final de toda a diocese, preliminar à sanção episcopal definitiva sobre o conjunto de decisões.

Em Pastoral de Conjunto

O importante e estar convencido da necessidade de participação. Não somente como vantagem, mas – na Pastoral – principalmente, como exigência.

Explicitada no Vaticano II

Se formos fiéis a essa exigência, seremos provavelmente obrigados a renunciar a planos perfeitos, fundamentados em levantamentos altamente científicos. Embora possamos também nos utilizar desses levantamentos, será, talvez, mais importante obter a co-responsabilidade nas decisões. Mesmo à custa de prováveis erros que pareçam erros – no nosso modo de ver. Se forem efetivamente erros, terão sido um custo necessário na pedagogia da co-responsabilidade adulta.

              Se dispusermos de dados e informações suficientemente seguros para levarmos os nossos companheiros de trabalho as opções realmente acertadas, tudo faremos para que eles aceitem a veracidade e a importância desses dados e informações. Será até mesmo imprescindível que busquemos, antes e durante nossas reflexões em conjunto, os dados e as informações que garantem o acerto das opções. Mas, se formos realmente fiéis a uma compreensão mais profunda do que seja a participação, o máximo que poderemos fazer para evitar opções que nos pareçam desastrosas, será procurar postergar as decisões, até que tudo se esclareça bem.

              Ou propor ações preliminares, cuja realização tenha o mérito de nos preparar melhor para as decisões mais importantes.

              Se dissemos antes que, diante da possibilidade de fazer somente planejamento menor, será preferível nenhum planejamento, o problema agora se nos afigura mais preciso: na Pastoral, o importante não é produzir planos bem compostos, bem fundamentados e obedientes às normas, gráficos e aparências do planejamento menor. Na Pastoral, interessa chegar cada vez mais perto da realização dos objetivos finais da ação da Igreja. O que exige uma adesão cada vez mais profunda do Povo de Deus.

              Os planos, nisso tudo, não passam de instrumentos.

              Aliás, utilizáveis, também, para aprofundar a adesão daqueles que os vão realizar. Mas sempre instrumentos. Por mais valiosos que sejam.

              Antes de examinar em largos traços algumas consequências deste principio na prática, será útil complementá-los com observações necessárias sobre a imprescindível continuidade do processo de planejamento.

Continuidade

Nunca seremos capazes de prever com plena exatidão tudo o que vai se passar, durante o tempo de realização dos nossos planos, quando a sua realização conta com a presença humana: não somente nos baseamos em diagnósticos componentes sem possibilidades de previsão, como também, estamos na dependência de comportamentos futuros de agentes que não são máquinas, mas pessoas.

              Daí a necessidade de como que redecidir, na medida mesmo em que a ação planejada se desenvolva.

              Além disto, se quisermos realmente acertar em nossa ação, muito devemos basear-nos em experiências já realizadas, para não repetirmos os erros porventura havidos e para nos servirmos das boas inovações. Especialmente se a experiência realizada se assemelha àquela que pretendemos efetivar em termos de tipos de objetivos, tipos de agentes, tipos de problemas enfrentados. Ora, nada melhor para nos fundamentar as opções do que os erros e acertos de nossos próprios planos anteriores, numa ação que estejamos continuamente realizando.

              Daí a necessidade de prever, à medida que se vai completando a execução do plano, um trabalho de avaliação e crítica, que se transforme em pedra basilar das decisões obtidas nos planos subsequentes.

              A continuidade da reflexão sobre o que se vai fazer, se está fazendo e se fez, portanto, é exigência de coerência, para quem se utiliza das técnicas de planejamento.

              Na Pastoral, também a necessidade de continuidade comporta ainda outro fundamento.

              O objetivo final da ação da Igreja não pode ser atingido senão progressivamente. Cada vez mais homens, em cada vez mais plena comunhão. Uma tarefa executada modifica a realidade. A tarefa seguinte sobre um degrau a mais. Num mundo que se transforma continuamente, sob múltiplas intervenções, as quais não somos capazes de prever todas. Não estamos, portanto, agindo frente a um ser estático. Estamos agindo dentro de um organismo dinâmico, cuja feição se vai alterando ao correr de nossa própria ação, ao lado de muitas outras ações. Uma construção que sobre, cada tijolo (entre os quais aqueles que podemos identificar como ossos) e cada anti tijolo (entre os quais tudo faremos para não estar) dando dimensão diferente, sempre nova, ao edifício.

              Deixarmos de armar sistemas de continuidade, na Pastoral, é como dizer que somos incapazes de errar em nossas previsões, mas é, também, como que dizer que nada muda.

              Pretendo enfrentar o fogo sem vestimentos da defesa.

              Na Pastoral, em cada plano que fizermos, embora o objetivo final se conserve sempre o mesmo, os objetivos imediatos, a médio e a longo prazo, serão sempre reformulados, sempre diferentes dos objetivos análogos do plano anterior, mas deles decorrentes. Cada plano implica uma definição de objetivos, resultantes da nova situação que enfrentamos, criada, inclusive, pela execução dos nossos planos anteriores. Se assim não ocorrer, é porque estamos olhando demais para nós mesmos, para nossos instrumentos, para nossas técnicas. E não nos dando ao cuidado de medir os resultados de nosso trabalho, a validade de nossa ação, no sentido do objetivo final da ação da Igreja.

              Cabe ainda, por último, fazer uma distinção entre plano e diretrizes, sugestões e indicações.

              Só devemos, realmente, chamar de plano um documento que contenha todas as especificações necessárias a que se passe a ação. Embora, às vezes, seja necessário detalhar mais (ao nível do que chamamos comumente de projeto) para que determinadas ações previstas no plano se iniciem, um plano montado significa que todas as decisões que tornam possível a ação foram tomadas. Isto é, foram definidas as necessidades, mas, também, foram medidas todas as reais possibilidades. Em recursos de todos os tipos, em sistema de organização, em distribuição de responsabilidades e prazos, em previsões de controle e avaliações.

              Diretrizes, sugestões, orientações, implicações, nascem mais diretamente do exame das necessidades, embora possam e devam levar em conta, também, as possibilidades. Estas, no entanto, serão consideradas somente em termos de grandes marcos, sem as quantificações e especificações em que o plano tem que se basear.

              Distinção formal, que ajuda, entretanto, a nos disciplinarmos.

              Passemos, então, a algumas indicações práticas, nascidas dos princípios acima apresentados.

Planos Pastorais, Objetivos Finais, Participação, Continuidade, Igreja no Mundo

Tomemos, para nossas indicações práticas, a diocese – comunidade de ação pastoral.

              Não se pode pensar em planos monolíticos contendo a previsão detalhada da ação de todas as forças vivas da Igreja na diocese. A inexequibilidade revelar-se-ia já na própria montagem dos planos. Mais ainda se assumirmos verdadeiramente a exigência da participação.

              Será contar com um conjunto de planos. Cada setor, cada nível, cada grupo de agentes com seu plano específico, montado com plena participação dos membros do grupo, do nível, do setor. Um dos planos, aquele da estrutura fundamental da diocese, caracterizando-se como o plano de coordenação dos demais. No sentido da integração, harmonia, complementaridade entre várias atividades.

              Os demais planos comportam dois tipos fundamentais: os planos dos setores, organismos, movimentos, instituições, estruturas oficiais, ligados à hierarquia, e os planos dos organismos, movimentos, grupos não oficiais.

              Para os primeiros, a presença da estrutura fundamental diocesana seria mais propriamente coordenadora. Para os segundos, a presença, menos coordenadora, estaria mais preocupada em acompanhar, no sentido da unidade. Nesse segundo tipo de plano se encontraria o lugar dos novos carismas da ação de fronteira, mas também de grupos para cujo trabalho seja desejável uma mobilidade não oficial. Perguntaríamos, então: como coordenar, e como acompanhar, no sentido da integração, harmonia, complementaridade, unidade, todos esses planos independentes? Qual o termo de referência comum, sobre o qual basear a necessária comunicação de pastoral de conjunto?

              O planejamento menor poderia oferecer-nos alguns critérios de interdependência: o tipo de técnica, o meio atingido, o tipo de agente.

              Mas será no planejamento maior que encontraremos o critério de repercussões mais profundas e mais positivas: o objetivo a ser atingido. Os objetivos decorrentes da situação concreta que se viva na diocese, face ao objetivo final da ação da Igreja, como ponto de partida comum de todos os planos que se façam na diocese.

              Todos se encontrarão no devido final. E os intermediários, definidos para cada período do trabalho de todos, serão as referências comuns mais próximas, dentro do período de trabalho correspondente. Os objetivos necessariamente complementares uns aos outros. Os resultados do trabalho de um setor dependem dos resultados do trabalho de outros setores, e a estes são necessários.

              A coordenação, o acompanhamento, tem como referência fundamental esses resultados e sua complementaridade. Não se trata de uniformizar sistemas de trabalho. Trata-se de conjugar resultados, na pluralidade das contribuições, dos caminhos da graça.

              Unidade através do essencial, e não do instrumental. Única unidade efetiva e duradoura.

              Mas, se todos os planos têm como ponto de partida comum os objetivos definidos para a ação na diocese, estes objetivos fazem parte desses planos. São a decisão inicial contida nos mesmos, portanto a decisão decisiva. Se acreditamos que a participação é essencial, o que poderemos dizer da participação na decisão decisiva?

              A solução será prever todos os agentes de todos os planos, todas as forças vivas da diocese participando num trabalho conjunto da decisão sobre os objetivos comuns da ação de todos. Encontro e diálogo sobre o essencial: onde queremos chegar, a partir de onde estamos, face ao objetivo final da ação da Igreja?

              Esses objetivos intermediários definidos à luz das necessidades, e levando em conta, em termos gerais, as possibilidades, serão ainda como que diretrizes. Então, todos os agentes de todos os planos, todas as forças vivas da diocese, estarão responsabilizando-se, com seu bispo, na definição das diretrizes pastorais diocesanas, que serão por ele, finalmente, sancionadas, à frente do povo de Deus.

              A continuidade obrigará a revisão periódica, no reencontro de todos, dos objetivos definidos. E implicará em verificar em comum os resultados obtidos na conjugação do trabalho de todos. Conjugação alimentada pelo trabalho de coordenação e acompanhamento da estrutura fundamental da diocese, a serviço da unidade.

              Caberia uma última observação, importante no momento em que vivemos. Sobre as coordenadas a partir das quais poderiam ser definidos os objetivos pastorais.

              De tão importante, talvez este assunto merecesse um subtítulo especial.

              Para saber onde devemos chegar em nossa ação, temos que saber o que somos, o que pretendemos. E temos que saber qual a situação, face ao que pretendemos, da realidade em que vamos trabalhar.

              O que somos, o Concílio nos explicitou mais. O que pretendemos, o Episcopado brasileiro resumiu em um grande objetivo final e seis objetivos, traduzindo no seu plano de Pastoral de Conjunto as opções conciliares.

              Qual a realidade em que vamos trabalhar? O Brasil, o mundo. A parcela desse mundo, desse Brasil, integrada no Brasil e no mundo e dele dependente, em que Deus nos colocou.

              A Igreja no mundo. As duas coordenadas para a escolha dos objetivos, a ação da Igreja e a situação do mundo. Em nossa diocese, em nossa área de trabalho.

              Por que é tão importante essa observação? Porque nossa grande tendência, difícil de superar, é tomar como coordenadas o mundo e a Igreja. A missão da Igreja e a situação da Igreja. Sem dúvida, a conclusão de nossa análise será sempre sobre a situação da Igreja no mundo. Até onde cumprimos e como cumprir melhor nossa missão. Num mundo do qual fazemos parte enquanto homens, mas, por isso mesmo, as coordenadas para nossa análise devem ser nossa missão, e o nosso mundo, no qual a pretendemos cumprir, e ao qual pretendemos responder. Do qual temos que conhecer, portanto, a pergunta. A dificuldade que ele encontra – que nós encontramos – para a Comunhão.

              Por que insistir? Atualmente talvez esse seja um dos cuidados mais básicos para que o Planejamento Pastoral possa ser Planejamento Pastoral Maior.

Perspectivas

Será possível  fazer, nestas últimas linhas, duas grandes perguntas: Tudo isto é válido? E depois: tudo isto é possível, viável?

              Quanto à primeira, poderíamos dizer que há que encontrar o modo, o sistema, através do qual implantar, de forma profunda, as conclusões do Concílio. Usando uma palavra em moda: é preciso operacionalizar o Concílio.

              Seria através da aplicação, à Pastoral, das técnicas de planejamento? Parece que estão sendo encontrados caminhos nesse sentido. Aplicar as conclusões do Concílio não pode significar substituição de fórmulas exteriores e aparentes. As conclusões do Concílio implicam em reencontrar certos valores, que tem certas exigências que levam à necessidade de, pelo menos, submeter a uma revisão profunda muitos de nossos hábitos e sistemas mais arraigados. As técnicas de planejamento – Planejamento Maior, trazendo em seu bojo a revalorização dos objetivos finais, a continuidade, a participação, a revisão, uma atitude profundamente questionadora, a progressividade, o realismo, podem ser instrumento valioso. A própria aplicação técnica é pedagogia de crescimento. E suas exigências de humildade e objetividade podem interessar bastante.

              Continuemos procurando.

              Quanto à segunda pergunta – tudo isto é possível, viável? – diríamos que não é fácil, mas é possível, viável. Exatamente porque é progressivo e é contínuo, porque podemos partir de um começo despretensioso, sem interromper o que já fazemos. Há que superar muita dificuldade técnica, mas, o que não é tão simples, há que superar muita dificuldade humana. Mas esta é a nossa própria história, a nossa busca continua.

              Sem dúvida, será necessário, pouco a pouco, integrar um sistema como o proposto em uma estrutura visível modificada, com um apoio essencial em reais comunidades de base, autênticos núcleos de cristãos a serviço da Comunhão no mundo. Tudo o mais depressa será possível. Mas pouco a pouco.

              O importante, entretanto, é que se inicie um processo. Ele tem um dinamismo próprio que lhe aumenta as forças. Muitos já o iniciaram. Que eles nos tragam suas experiências para que possamos, todos juntos, encontrar os melhores caminhos da fidelidade.


[1]Os elementos contidos no presente trabalho correspondem ao resultado de seminários de estudos e experiências concretas promovidos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dos quais o autor participou.

25/08/2021

Construir ou destruir? Recado respeitoso ao STF – Chico Whitaker

(publicado pela FOLHA DE SAO PAULO – 23/08/2021- TENDÊNCIAS & DEBATES )


Na contramão do mundo, proposta de expansão nuclear deve ser barrada

Chico Whitaker
Arquiteto e urbanista e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

O Conselheiro Acácio nos faz sorrir com suas verdades. Outras nos fazem chorar, como a que diz que destruir é mais fácil que construir. É o que estamos vivendo, desde que um cidadão com mente seguramente doentia foi alçado à Presidência da República. Há quem ganhe com isso, mas não se imaginava a desgraça embutida na sua frase “minha missão é destruir”, feita na embaixada do Brasil em Washington, logo depois de sua posse.

Logo em seguida começaram a desmoronar os avanços civilizatórios desde que recuperamos a democracia. E sua ação se tornou claramente criminosa com a pandemia. Suas ações e omissões respondem seguramente por mais de metade dos nossos lutos.

Insiste em recusar orientações internacionais de luta contra a pandemia, bem-sucedidas em todo o mundo. Usa seu poder de comunicação, como oresidente, para aconselhar remédios que matam. Vem negando a necessidade do uso de máscaras para combater o vírus.

Sua máquina ataca numa guerra-relâmpago, como fazia Hitler por territórios. Mal nos aprumamos de uma investida destruidora, vem nova saraivada. Destrói até bens que são de toda a humanidade, como a Amazônia, essencial na batalha contra a extinção da nossa espécie.

E conseguiu alistar no seu bando oportunista até o procurador-geral da República, Augusto Aras. Este poderá, infelizmente, ser reconduzido ao cargo pelo Senado. Mas não defende os interesses difusos da sociedade, como deveria, ao não dar seguimento a representações para que denuncie ao Supremo Tribunal Federal os crimes do presidente na pandemia e outros. E há pouco entrou na área do nuclear, pouco conhecida da quase totalidade da população —e até de integrantes dos Poderes da República.

De fato, num país dolorosamente marcado pela falta de cultura de segurança, nem todos sabem quão perigosas são as usinas nucleares —ou, pejorativamente, as “chaleiras radioativas”. Esquecemos as catástrofes de Chernobyl e Fukushima, raras, mas possíveis, quando seus reatores derretem e explodem. Essas tragédias só começam a acontecer nesses acidentes: prolongam-se por muitas gerações —contra a radioatividade, que dura milhões de anos, não há vacina. E o acidente de Goiânia em 1987? Nele escaparam de um aparelho de radioterapia abandonado somente 19 gramas de césio-137. Mataram logo quatro pessoas e depois mais de cem. Tinham o “brilho da morte”, como disse uma de suas vítimas. Ora, criado às toneladas pelos reatores das usinas, em explosões ele se espalha.

Os alemães são mais inteligentes, ou simplesmente mais informados? Depois de Fukushima, decidiram fechar seus 23 reatores. No fim de 2022 não terão mais nenhuma central nuclear. E vão mais longe: em 2035, nenhuma central a carvão, que aumenta o aquecimento global. Outros países a imitam.

Aqui, pretende-se prolongar por mais 20 anos a vida das “chaleiras” de Angra, construir uma terceira, com um projeto obsoleto de 1976, e mais seis à beira do rio São Francisco! Nossas “autoridades” do setor, em sua maior parte militares, querem é construir a bomba atômica brasileira. Usinas são o caminho —por isso mesmo controladas pela Agência Internacional de Energia Atômica, para que bombas não se proliferem. E um de seus subprodutos é o plutônio, melhor combustível para bombas, como provado em Nagasaki…

Ora, o procurador-geral da República pediu ao STF, em perfeita consonância com um governo do qual não faz parte, mas protege, que declare inconstitucionais sábios artigos de Constituintes estaduais de estados como o de Pernambuco, que proíbem usinas nucleares enquanto não se esgotarem todas as outras fontes de energia elétrica. Como se previssem o desenvolvimento da produção de eletricidade com o sol e o vento, mais do que abundantes no Nordeste.

Os senhores ministros e ministras do STF acreditariam na propaganda enganosa do “negócio” nuclear —com o mito dessa opção como a mais barata, mais limpa e mais segura de produzir eletricidade? Regras jurídicas bastariam para desproteger o Brasil da ameaça de que o mundo está se livrando, com o crescente abandono do nuclear?

É mais uma ofensiva inesperada da guerra que se trava no Brasil contra todos nós. Teríamos que pedir a Deus, como se faz em situações de desespero, “tenha piedade de nós”?

FOLHA DE SAO PAULO – 23/08/2021- TENDÊNCIAS & DEBATES

18/07/2021

Participação Popular na Constituinte de 1987-1988 – Chico Whitaker

Este texto, com o titulo Participação popular, inovação promissora da Constituinte de 1987-1988 e os tempos atuais e assinado por Francisco Whitaker Ferreira, foi escrito a convite do Ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli, como organizador de obra 30 anos da Constituição Brasileira, publicada pelo Supremo Tribunal Federal em Agosto de 2918, Editora Forense.

Resumo

Este texto trata da Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, no Brasil, apresentando como ela ocorreu nessa Constituinte, enquanto participação em processos decisórios, e a mobilização social que levou a ela. Ele recolhe, organiza e consolida informações já publicadas em numerosos estudos sobre esse período de quase dois anos da vida política brasileira, quando terminou o regime militar imposto no golpe de 1964, e procura relacioná-las com os objetivos e intuições dessa experiência, vivida há mais de trinta anos por grande número de cidadãs e cidadãos brasileiros. O texto se completa indicando como, após a promulgação da Constituição de 1988, os instrumentos de participação popular nela inseridos foram usados, mostrando suas limitações e suas potencialidades. Termina situando esse processo no quadro de expectativas vividas no país ao se aproximar a data de comemoração dos 30 anos dessa Constituição.

Apresentação

Uma obra comemorativa dos 30 anos da Constituição de 1988 não poderia deixar de conter uma menção à participação popular na sua elaboração e à intensidade que ela alcançou. Inusitada no Brasil e também no mundo, foi na verdade a maior novidade da Constituinte de 1987-1988.

A participação no período da Constituinte resultou de um processo social mais amplo, a partir do esgotamento da ditadura militar implantada em 1964 como regime político, com a consequente retomada da definição dos rumos do país pela sociedade brasileira, na diversidade e nas divergências de interesses que ela comporta. Antes portanto da Constituinte ser instalada, viveu-se no Brasil um longo processo social de reconquista de direitos e de liberdade para a expressão, cerceada pela repressão ditatorial durante vinte anos, dos anseios de todos.

Procurarei apresentar nas próximas páginas o que me parece mais relevante relembrar desse processo, naquilo que tive a oportunidade de conhecer antes da Constituinte e com mais detalhe depois, durante a Constituinte, ao dela participar se assim se pode dizer como simples cidadão, como tantos outros, sem termos recebido para isso nenhum mandato eletivo.

Relatos e análises da Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, com dados muito mais completos e precisos do que os contidos neste  texto, podem ser encontrados em diversas publicações, entre as quais eu destacaria duas: o livro Cidadão Constituinte, a saga das emendas populares, redigida logo em seguida ao término da Constituinte por um grupo de trabalho de que fiz parte, organizado pelo Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte da Universidade de Brasília e pelo Plenário Pró Participação Popular na Constituinte[1]; e o livro Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, tese de Doutorado de Rodrigo Mendes Cardoso, defendida em 2016 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e publicada com esse título em 2017[2]

Sobre o período histórico que precedeu a Constituinte, é tão vasta a literatura disponível que me permito não fazer nenhuma referência especial.

Antes porém de apresentar as informações de que disponho, será útil precisar o sentido que dou à expressão “participação popular”, uma vez que ela pode ter diferentes conteúdos, ainda quando relativa somente a ações humanas coletivas. Nesse caso, ela pode ser a participação nos resultados dessas ações, ou a dos que a realizam, ou a dos que decidem sobre sua realização. Nas três situações ela pode ser maior ou menor, e tanto concedida – e até imposta – como conquistada.

A participação nas decisões – sobre o que fazer e como fazer – é o que poderíamos chamar de participação política. É a mais nobre, se voltada para o Bem Comum. É também a mais difícil, porque implica em compartilhar o poder ou alguma de suas parcelas, e resulta sempre de uma continua luta por conquistá-la.

Se agregamos à palavra participação a palavra popular, podemos estar nos referindo à presença da base da sociedade em cada um desses três tipos de participação. No terceiro ela é mais rara e historicamente pouco existiu quando referida à participação na elaboração da Constituição de um país. Por isso seu caráter inovador na Constituinte de 1987-1988 no Brasil. Com todas as suas limitações e consequências e com maior ou menor consistência, ela foi um real avanço democrático de nosso país.

Foi isso na verdade o que Ulysses Guimarães enfatizou, como Presidente da Assembleia Constituinte, ao chamar a nova Constituição de Constituição Cidadã, quando a apresentou no dia de sua promulgação – 5 de outubro de 1988 – em sessão solene do Congresso Nacional, na presença das maiores autoridades do país e de convidados do exterior.

A alegria da participação política popular

Uma das características da participação popular na Constituinte de 1987-1988no Brasilfoi a alegria com que foi vivida. Na verdade não poderia ter sido diferente. O momento da decisão de confiar ao Congresso a elaboração de uma nova Lei Maior era o do retorno do país ao regime democrático, pouco depois da eleição ainda indireta do Presidente da República e vinte anos depois do golpe militar de 1964, com que se implantara uma ditadura no Brasil. Tinha-se acumulado ao longo desses vinte anos uma sede de participação política, de justiça, de respeito à liberdade das pessoas informarem e serem informadas, de sonharem com seu futuro e de seus filhos e agirem livremente para que ele se concretizasse. Tinha se tornado impossível continuar a viver sob o peso da placa de chumbo que caíra sobre os ombros dos brasileiros, reprimindo-os da forma violenta que caracteriza a lógica militar. A Constituinte, ainda que com suas limitações, era como um grito de liberdade. E esse momento chegou com uma porta aberta à participação popular na construção política dos novos tempos. 

Foi nesse quadro que durante os dois anos de duração do processo constituinte mais de 10.000 cidadãos e cidadãs sem mandato legislativo – como eu mesmo – circularam diariamente e livremente pelas salas e corredores do Congresso, falaram em audiências públicas promovidas pelas Comissões ou as acompanharam, fizeram reuniões em auditórios e nas salas de comissões e até nos gabinetes dos parlamentares, sentaram-se para discutir suas ações nas poltronas ou mesmo no chão do Salão Verde da Câmara dos Deputados, distribuíram panfletos e cartas abertas, em contato direto com os representantes que tinham sido eleitos para a Câmara Federal e para o Senado. Queriam apresentar-lhes ou discutir com eles as informações, as reivindicações, as propostas e os anseios dos diferentes segmentos da sociedade brasileira. Nos momentos em que determinadas decisões eram tomadas ou os Constituintes programavam ouvir a sociedade em reuniões especificas, em audiências públicas ou em sessões do plenário, entidades e movimentos sociais organizavam caravanas, com grande número de participantes, partindo das diferentes regiões do Brasil, para dizer de viva voz a seus representantes o que o povo deles esperava na elaboração da Lei Maior do país.

Quem viveu esse processo e hoje visita o Congresso – com suas entradas controladas e muitas vezes interditadas para as cidadãs e cidadãos comuns, com as galerias dos plenários devidamente protegidas sempre que decisões mais polêmicas devem ser tomadas – sente necessariamente uma certa tristeza. Aqueles que não sendo funcionários nem jornalistas conseguem entrar nessas ocasiões – desde que os homens portem gravatas, ainda quando seja para simplesmente atravessar alguns salões – constatam que, embora os seguranças tenham introjetado em suas atitudes e comportamentos algum tipo de medo do povo, pelo menos ainda é possível abordar um parlamentar mesmo que não seja um conhecido pessoal. Eles ainda circulam sem proteção pessoal aparente nesses espaços, que pertencem a eles e ao povo.

A participação popular na Constituinte como resultado de longas lutas sociais

Não se chegou no entanto de um dia para outro ao momento por assim dizer feliz da Constituinte com participação popular. A luta pelo fim da ditadura, até que o povo voltasse a eleger democraticamente os dirigentes políticos do país e até que a elaboração de uma nova Constituição selasse essa transição, fora incansável, longa e muitas vezes dolorosa.

Antes mesmo de enfrentar o desafio de reescrever nossa Carta Fundamental tornou-se absolutamente necessário revogar o chamado “entulho autoritário” das leis vigentes, para delas excluir determinações impostas pela ditadura. Como por exemplo a Lei de Segurança Nacional, pela qual caberia reprimir toda e qualquer oposição ao poder instalado, para que se mantivessem no país normas contrárias à Declaração Universal dos Direitos Humanos – no sentido restrito e amplo da expressão.

Era na verdade uma virada histórica. E as lideranças políticas desse processo tiveram a sensibilidade necessária para perceber que a tarefa não poderia ficar sob a responsabilidade somente de representantes do povo por ele eleitos. A participação popular, que já vinha acontecendo no apoio a essas lideranças políticas e tomando também suas próprias iniciativas, era de fato uma exigência democrática dos novos tempos. O processo constituinte abriu então mais canais para permitir que a sociedade nele se exprimisse, o que fez com alegria e esperança.

Uma das iniciativas mais significativas da sociedade, nessa perspectiva, foi a de um movimento social que surgiu nesse processo, o Plenário Pré Participação Popular na Constituinte, que tinha como mensagem principal a frase: “Constituinte sem povo não cria nada de novo”. Essa mensagem correspondia a um sentimento geral no país, tanto na sociedade como numa parcela majoritária de Constituintes. Esse movimento conseguiu que na própria Constituinte fosse utilizado um instrumento de elaboração legislativa que não existia em nosso país e que já vinha sendo proposto para ser incorporado à Constituição: a Iniciativa Popular de Lei. Ele foi inserido no Regimento Interno como Emenda Popular ao Projeto de Constituição. E resultou na apresentação de mais de uma centena de Emendas Populares – exatamente 122 – assinadas por 12 milhões de eleitores, uma vez que o movimento se desdobrara e se multiplicara em Plenários Estaduais, Plenarinhos Municipais e um Plenário Nacional, e originara a criação de uma Articulação Nacional de Entidades para a Mobilização Popular na Constituinte.

E foi em torno das emendas populares que a Constituinte viveu momentos memoráveis de participação popular. Foi fixada uma data final para sua apresentação. O mínimo determinado no Regimento Interno era de 30.000 subscritores, mas houve muitas Emendas que ultrapassaram várias vezes esse mínimo, como a da Reforma Agraria, com mais de um milhão de assinaturas. As organizações que consideravam já ter conseguido um número suficiente de subscritores organizavam-se para entregar as folhas assinadas antes da data final. Deslocando-se em ônibus para Brasília, vindos dos mais diversos rincões do país, suas enormes caravanas – que começaram a romper dessa forma o isolamento geográfico de Brasília – ao longo de algumas semanas foram recebidas pelo próprio Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, sempre que lhe era possível, em atos nos auditórios das Comissões. Num desses atos, ao acolher as 45.162 assinaturas de uma das muitas emendas que abordaram os direitos das mulheres, Ulisses disse que recebia emocionado aquelas folhas carregadas da poeira dos caminhos percorridos para recolhê-las e do suor de todos que se empenharam nesse esforço para levar à Constituinte a expressão de sua esperança..

Para apoiar uma melhor organização da entrega dessas folhas com assinaturas nas Emendas Populares, a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil colocou suas salas, nas semanas anteriores à data final da entrega, à disposição do Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte. Uma dezena de recrutas das unidades do Exercito na Capital, cedidos por gestão da capelania militar de Brasília, trabalharam nessas salas por vários dias, ajudando na contagem e classificação, por Estado de origem, das milhares de assinaturas apostas nas folhas confiadas ao Plenário antes de serem levadas ao Congresso.

Ao final do prazo para entrega das Emendas, as organizações que tinham se reunido na Articulação Nacional de Entidades para Mobilização Popular na Constituinte organizaram uma entrega conjunta, com um grande ato a se realizar em Brasília. O ocorrido nesse dia foi no entanto bastante frustrante: com cidadãos e cidadãs vindos de todo o país e lotando a área em frente ao Congresso e o salão envidraçado da sua entrada principal, onde Ulysses Guimarães veio receber as comitivas, seu discurso, de pé no meio do povo, recebeu algumas vaias e um vidro do salão foi quebrado. Foi o suficiente para que, de tudo que ocorrera em Brasília, o povo brasileiro só tivesse notícia, pelos grandes jornais e revistas, da confusão criada por uns poucos no Congresso Nacional, nesse dia tão significativo para a construção da democracia no Brasil. Mas essa frustração foi compensada pela recepção dado pelos Constituintes às Emendas entregues, e pelo fato do ocorrido não ter diminuído, no Presidente da Constituinte, sua disposição de acolhê-las dignamente, como mereciam.

As Emendas que preencheram os requisitos para serem aceitas foram defendidas uma a uma, em sessão especial da Assembleia, por representantes das organizações que as apresentaram. As 38 que não puderam ser defendidas por não terem alcançado o número mínimo – como por exemplo a que defendia os direitos dos empregados domésticos, que tivera somente 10.402 assinaturas – foram encampadas por Constituintes, como autorizava o Regimento Interno, e foram também consideradas nas discussões das Comissões da Assembleia.

Ao longo dos dois anos que duraram as sessões da Constituinte, muitos dos enfrentamentos entre constituintes progressistas e conservadores se deram em torno de propostas oriundas da participação popular. A maioria na Constituinte era conservadora e tinha um número de votos que lhe permitia fazer proposições mas não necessariamente aprová-las, sendo obrigada a negociá-las – o que explica que nem o chamado “Centrão”, um vigoroso bloco parlamentar surgido no meio do processo para tentar impor decisões defendidas pelo governo e pelos conservadores – tenha conseguido impedir a aprovação de uma série de inovações propostas pelas organizações populares por meio das Emendas Populares. No sentido contrário, uma das emendas propostas pelo “Centrão” pretendeu, sem sucesso, suprimir todas as referências à soberania popular no preâmbulo da Constituição[3]. E houve alguns dos seus membros que pretenderam reduzir ou mesmo bloquear a presença popular no Congresso…

Tal abertura participativa levou à elaboração de uma Constituição considerada por muitos como extensa demais. Mas os constituintes não puderam ignorar a avalanche de reivindicações e anseios que se exprimiram desse modo.

Vale a pena transcrever, nessa perspectiva, alguns trechos do discurso de Ulysses Guimarães no ato da sua promulgação, em 5 de outubro de 1988: “Ecoam nestas salas as reivindicações das ruas (…)  Chegamos! (…) A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. (…) Foi de audácia inovadora, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna. O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franquearam, livremente, as onze entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galerias e salões. Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fabrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio”.[4]

A participação popular na pressão pela Constituinte

A conquista da participação popular na elaboração da Constituição decorreu na verdade de um longo processo anterior de participação, quando ainda se pressionava pela própria convocação da Constituinte. Ainda aqui convêm relembrar o contexto.

A passagem de um regime ditatorial a um regime democrático já tinha começado a ser aceita por um setor significativo dos militares, então detentores do poder político. Desejosos de sair de cena – quaisquer que tenham sido suas razões – seus lideres tinham elaborado até mesmo uma teoria para o justificar: a das “sístoles e diástoles” do poder político, com seu corolário da “transição lenta, gradual e segura”. E estavam pondo em prática essa teoria[5]. Quando o general Figueiredo assumiu a Presidência em março de 1979 ele chegou a dizer que ia “fazer deste país uma democracia”[6] – talvez sem medir todo o alcance de suas palavras em relação à imagem que o regime militar procurava passar para o mundo.

Na verdade o golpe de 64 que os levara ao poder se situou em plena Guerra Fria. Para os Estados Unidos, pais que liderou o mundo ocidental capitalista nessa guerra contra o mundo comunista, era muito importante que o Brasil não fosse governado pelo Vice-Presidente de esquerda[7] que tomara posse com a renúncia do Presidente de centro-direita Jânio Quadros[8]. Uma eventual aliança do maior país da América Latina com a União Soviética desequilibraria totalmente o sistema de dominação norte-americano. Os historiadores e os documentos secretos liberados nos Estados Unidos já nos fornecem muitas provas da interferência norte-americana nos assuntos internos brasileiros na época do golpe, como voltou a ocorrer menos de dez anos depois no Chile, em 1973, frente ao risco que lhes criava o governo de Allende. Mas outros dez anos depois a Guerra Fria já estava sob outros ventos. De fato, um ano depois da promulgação da nova Constituição elaborada no Brasil o Muro de Berlim foi derrubado, simbolizando o fim dessa Guerra. O momento era portanto propício a uma retirada negociada dos militares da cena. [9]

A necessidade de uma Constituinte já fora no entanto colocada muitos anos antes, pelo próprio partido consentido de oposição, o MDB. Mas era ainda uma proposta conciliadora, de convocação de uma Assembleia Constituinte em 1974 “assim que cessassem os instrumentos de força vigentes”[10] o que evidentemente não tinha condições de ocorrer.

Foi somente então com o “pacote de abril” – o conjunto de decretos-lei e emendas constitucionais baixados em 1977 pelo General Geisel[11] – que as discussões se reavivaram, com novos atores surgindo, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o jurista Gofredo da Silva Telles Júnior,[12] que leu sua histórica “Carta aos brasileiros” na Faculdade de Direito de São Paulo. O MDB adotou a Constituinte como uma de suas principais bandeiras de luta e até o general Euler Bentes, candidato à sucessão de Geisel, se comprometeu a convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

O mundo político se movimentou muito nesse período, mas efetivamente só em 1984 a Constituinte voltou ao centro do debate, depois de derrotada, no Congresso, a Emenda Constitucional das Diretas-já. Esta Emenda visava passar imediatamente ao povo o poder de escolher o Presidente da Republica – ainda que, pelo “gradualismo” imposto pelos militares, já tivesse sido possível dois anos antes eleger os governadores dos Estados pelo voto do povo. Quando então se encerrou o mandato do General Figueiredo,[13] último dos generais escolhido pelos seus pares para ocupar a Presidência, o Colégio Eleitoral constituído por um Congresso desfalcado dos parlamentares cassados desde 1964 e com um terço dos senadores eleitos nos Estados por via indireta – então chamados “biônicos” – elegeu em 15 de janeiro de 1985 o primeiro Presidente civil depois de vinte anos, Tancredo Neves. [14]

 A essa altura a palavra de ordem “Constituinte-já” ganhara terreno, com a entrada da participação popular no processo: as organizações sociais que tinham sido mobilizadas pelas Diretas-já intensificaram sua ação, trazendo para o debate a voz da rua. Entre as principais lideranças que se empenharam a fundo numa verdadeira campanha pelo país afora estava D.Mauro Morelli, bispo da Diocese de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, que lançou nessa cidade, no dia 26 de janeiro de 1985[15], com o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Hermann de Assis Baeta e o sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho, um Movimento Nacional pela Constituinte, num ato político a que compareceram mais de sete mil pessoas. D.Mauro representava bem uma Igreja Católica que desde o Concilio do Vaticano II se voltara decisivamente para uma abordagem política do social e multiplicara pelo país as Comunidades Eclesiais de Base, constituídas principalmente pelos moradores das periferias das cidades e das áreas rurais. E Betinho era um exilado pela ditadura que à sua volta fundara uma organização de pesquisa, o IBASE[16], a serviço da ação política da base da sociedade[17].

A campanha pela Constituinte já continha portanto em seu bojo a exigência da participação popular – incogitável durante toda a ditadura militar. E seus desdobramentos incluíram posteriormente a formação de assembleias ou conselhos municipais em que o povo diria qual era “o Brasil que queria”. 

Foi nessa mesma ocasião, quase na mesma data, que surgiu em São Paulo, somando-se à mobilização social pela Constituinte impulsionada a partir do Rio de Janeiro, o Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte, com sua mensagem “Constituinte sem povo não cria nada de novo”, acima referido. Nesta iniciativa a Igreja Católica cumpriu também um papel aglutinador, através do Bispo D.Cândido Padin, formado em Direito, um dos primeiros juristas brasileiros a denunciar, ainda em 1973, a inconstitucionalidade da Lei de Segurança Nacional. A reunião, realizada a seu convite, que levou à criação do Plenário, se deu em dependências do Instituto Sedes Sapientiae, da Pontifica Universidade Católica de São Paulo.

Essas iniciativas, com outras tomadas por partidos e outras organizações sociais, estimularam a realização de muitos atos e de grandes manifestações de rua, como a da Caminhada em Defesa da Constituição no centro do Rio de Janeiro em 17 de julho de 1987[18], que relembrou, pela sua dimensão, as enormes manifestações da campanha das Diretas em 83 e 84.

A participação popular na preparação dos trabalhos e na definição do caráter da Constituinte

O anseio por participação popular se fez de novo presente na preparação dos trabalhos da Constituinte, quando o Congresso Nacional decidiu sobre sua convocação e composição.

Uma das particularidades do processo constituinte brasileiro de 1987-1988 é que se tratava de uma nova Constituição progressivamente conquistada e não da outorga de uma nova Lei Maior pelo poder instalado após uma ruptura institucional, como foi o caso da chamada “polaca” que instituiu em 1937 o “Estado Novo” de Getúlio Vargas ou a denominada por muitos de “super polaca” em 1967, consolidando os Atos Institucionais e leis impostas pelo regime militar[19].

 Nesse quadro, como nos lembramos, o Brasil vivera mais de um mês e meio de comoção nacional com a doença e a morte de Tancredo Neves, Presidente civil eleito em 15 de janeiro de 1985. Tancredo fora internado às pressas num hospital na véspera de sua posse, prevista para o dia 15 de março, vindo a falecer em 21 de abril. José Sarney, Vice-Presidente civil eleito com Tancredo, assumira interinamente como Presidente em 15 de março de 1985 e oficialmente em 21 de abril.

Mas diante do clima já criado no Brasil em torno da necessidade de uma nova Constituição, Sarney, mesmo pertencendo ao partido que apoiara a ditadura, tomou logo algumas iniciativas, dentro do compromisso de convocação de uma Constituinte assumido por Tancredo e ele mesmo como candidatos. Inclusive no mesmo dia 15 de janeiro, em que foi eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo fizera um discurso convocando todo o país ao debate constitucional.

Em 24 de junho desse mesmo ano Sarney enviou portanto ao Congresso uma proposta de emenda constitucional dando Poderes Constituintes ao Congresso a ser eleito em novembro de 1986, e em 18 de julho ainda de 1985 criou por decreto uma Comissão Provisoria de Estudos Constitucionais, presidida pelo Jurista Afonso Arinos.[20] Essa Comissão foi encarregada de redigir um anteprojeto de Constituição, a ser submetido à Assembleia Constituinte que seria posteriormente eleita. O anteprojeto assim elaborado – cuja redação terminou um ano depois, em 18 de setembro de 1986,[21] foi entregue solenemente a Sarney no dia 24 do mesmo mês. Esse anteprojeto não chegou a ser por ele encaminhado à Constituinte[22], mas sem duvida seu conteúdo influiu na Constituição elaborada. Até porque a Comissão de Estudos tomara como ponto de partida para seu trabalho o anteprojeto preparado pelo jurista José Afonso da Silva, de São Paulo, que mais tarde foi assessor do líder do PMDB na Constituinte, o senador por São Paulo Mario Covas. É interessante notar que muitas das propostas contidas no anteprojeto de José Afonso da Silva iam no mesmo sentido das apresentadas posteriormente pelos movimentos de participação popular.

A formação da Comissão Afonso Arinos já traduziu a pressão da sociedade para participar do processo constituinte. Ao estabelecer seus objetivos Sarney já indicava que ela deveria ouvir os diversos setores da sociedade. Seu número de membros – 50 – foi por outro lado mais elevado do que o seria se fosse uma comissão de peritos. Escapava-se assim da tradição de confiar a elaboração da Constituição a especialistas. Escolhidos como uma “Comissão de Notáveis”, como seria conhecida, eles representavam diversos setores da sociedade. Mas ao dar a incumbência de redigir um anteprojeto de Constituição a determinadas pessoas escolhidas pelo governo, a iniciativa foi alvo de muitas criticas. E dois dos convidados a integrar a Comissão, os juristas Eduardo Seabra Fagundes do Rio de Janeiro e Fábio Konder Comparato, de São Paulo, recusaram-se a participar, partidários que eram de um processo constituinte com participação mais ampla e direta de toda a sociedade.

A pressão da sociedade nesse processo tornou-se mais evidente quando o Congresso teve que decidir sobre a emenda proposta por Sarney para convocar a Constituinte. Constituída a Comissão Mista prevista nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado para a análise e decisão sobre propostas de emenda constitucional, o relator designado, deputado Flávio Bierrenbach, de São Paulo, apresentou um substitutivo que alterava inteiramente o que o governo propunha: embora ele mesmo optasse por uma Assembleia Constituinte eleita exclusivamente para esse fim, estabelecia que essa decisão deveria ser tomada com um plebiscito que colhesse a decisão de todos os eleitores. Para construir seu voto Bierrenbach tinha debatido a questão com muitos parlamentares mas levara particularmente em conta os debates promovidos a esse respeito pelo Plenário Pró Participação Popular na Constituinte. E em meados de outubro de 1985, quando apresentou seu relatório à Comissão, ele abriu teatralmente diante de todos os seus membros uma enorme mala contendo 70.000 cartas e telegramas que recebera de todo o Brasil apoiando sua opção por uma Constituinte exclusiva.

O governo e os parlamentares conservadores contavam no entanto com uma maioria na Comissão e Bierrenbach teve seu relatório rejeitado, sendo substituído por outro relator, o até então desconhecido mas fiel ao governo deputado Valmor Giavarina, do Paraná. O novo relatório, que encampou a proposta feita por Sarney, foi aprovado em 22 de novembro de 1985 e a Emenda Constitucional  nº 26 foi promulgada no dia 27. A Assembleia Constituinte seria Congressual, isto é, composta pelos senadores e deputados a serem eleitos em 15 de novembro de 1986.

A luta pela participação popular na elaboração da Constituição

Quando se iniciou a luta pela participação popular na elaboração da Constituição, essa luta em verdade não se restringia a esse objetivo. O que se pretendia, através dessa participação, era assegurar uma definição, na nova Constituição, de direitos e deveres e de orientações das políticas públicas que atendessem aos diferentes anseios do povo brasileiro, bloqueados durante o regime militar. E também obter a criação de instrumentos de democracia participativa e de democracia direta que dessem continuidade a essa participação, abrindo espaço para a contribuição corresponsável e criativa de toda a sociedade na busca democrática de soluções para os graves problemas enfrentados pelo Brasil.

Esses objetivos – mais amplos portanto do que a simples participação no processo constituinte – implicavam em contar com um número suficiente de Constituintes dispostos a enfrentar esses e outros desafios. Assim, uma vez tomada a decisão de compor uma Constituinte congressual, a sociedade organizada passou à formulação de propostas para o conteúdo da Constituição e a lutar pela eleição de Deputados-Constituintes que a representassem efetivamente, na defesa dessas propostas. Para isso eram organizados inúmeros debates, convidando-se os candidatos a assinarem termos de adesão e compromisso com o conteúdo almejado da nova Constituição. Mas já nessa época, como ainda nos dias de hoje, a mídia se ocupava preferencialmente das campanhas para as chefias do Executivo  – governadores, naquele momento – dando como sempre menos importância à eleição para o Legislativo. Com isso os eleitores eram levados a não prestarem muita atenção aos candidatos para o Congresso, que na verdade seriam, na ocasião, os Constituintes.

Nesse processo a participação popular cumpriu outro papel significativo: o de contribuir para a formação política dos eleitores e eleitoras, ao promover a discussão sobre o papel e a importância da Constituição, da Constituinte e das eleições na vida concreta das pessoas. Depois de vinte anos de debate político cerceado, era necessário conhecer melhor as próprias instituições democráticas.

Uma vez realizadas as eleições, passou-se à fase de criação de canais para a participação popular na elaboração da Constituição. Eles foram então dos dois tipos que sempre se apresentam quando se trata de participação: os concedidos – de cima para baixo, por assim dizer – e os conquistados. Entre os primeiros, criados pelos Constituintes ao elaborarem o Regimento Interno da Assembleia Constituinte, surgiram as audiências públicas, instrumentos ainda inexistentes entre nós mas comuns no Congresso norte-americano, convocadas para ouvir pessoas com especial conhecimento e vivência de determinados assuntos, ou envolvidas em questões sobre as quais o Parlamento deveria tomar decisões.

Centenas dessas audiências foram então realizadas na fase inicial do trabalho da Constituinte – o Regimento Interno previa 5 a 8 audiências por Subcomissão[23]. Instaladas as subcomissões em 7 de abril de 1987, no dia 22 do mesmo mês elas começaram a ser realizadas, ouvindo em apenas três semanas 900 pessoas dos mais diferentes setores da sociedade, num verdadeiro turbilhão de propostas e discussões com os Constituintes e entre Constituintes. Na extrema diversidade de temas e posições que a Assembleia comportava, aconteceram até intervenções mais propriamente folclóricas.

Para ilustrar vale a pena transcrever matéria não assinada do Jornal do Brasil,[24] publicada quando estavam sendo preparados os relatórios dessas submissões: Passaram pelas salas das Subcomissões ministros, banqueiros, empresários, centrais sindicais, cientistas, associações de moradores, estudantes, índios, generais, domésticos, artistas, ministros do STF, representantes de partidos, grupos gays, garimpeiros, latifundiários e sem-terras, mutuários do BNH, paraplégicos, delegados de polícias, etc. Em centenas de audiências públicas, a Constituinte tomou um banho de Brasil.  [25]

Foi aberta também a possibilidade de recebimento de sugestões em geral, de pessoas ou organizações e de Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Tribunais. Na perspectiva das contribuições de pessoas e organizações a Comissão de Constituição e Justiça do Senado distribuiu cinco milhões de formulários, a serem preenchidos com sugestões e entregues às agências do Correio para encaminhamento ao Congresso, com o que recebeu 72.719 respostas. [26]

Mas foi pelo canal da Emenda Popular que melhor e de maneira mais organizada se expressaram os cidadãos e cidadãs e suas organizações. Como já indiquei, esse instrumento de participação, que já vinha sendo proposto por várias vias para o conteúdo da Constituição mas não para sua elaboração, foi uma conquista – de baixo para cima – do Plenário Pró Participação Popular na Constituinte, como emenda ao Regimento Interno da Constituinte. Ela foi apresentada por três Constituintes: os Deputados Plínio de Arruda Sampaio, pelo PT de São Paulo, Brandão Monteiro, pelo PDT do Rio de Janeiro e, a título pessoal, o Senador Mario Covas, do PMDB de São Paulo. [27],

É interessante observar que ao aprovar a possibilidade de apresentação de emendas populares ao projeto de Constituição, os constituintes, para se preveniram de uma avalanche de propostas, estabeleceram um mínimo de 30.000 subscritores para cada Emenda apresentada. Como a sociedade se revelou capaz de reunir números muito mais elevados de assinaturas em muitas emendas populares, os constituintes aumentaram as exigências ao aprovarem a inclusão da Iniciativa popular de Lei na Constituição: o número mínimo de subscritores passou a ser de 1% do eleitorado, distribuídos em pelos menos cinco estados da Federação e um mínimo de 0,3% dos eleitores de cada Estado.

Pouco importa qual dos canais levou a maiores resultados, mas pode-se dizer que no processo constituinte brasileiro de 1987-1988 as propostas vindas da sociedade tiveram derrotas mas muitas vitórias. De fato, 24 dos 32 anteprojetos  elaboradas pelas Subcomissões e Comissões Temáticas da Constituinte incluíam propostas apresentadas pelos canais de participação popular.[28]

Assim, foi a pressão da sociedade – através da emenda popular que propôs inciativas populares na elaboração das leis do Congresso e instrumentos de democracia direta como o plebiscito e o referendo – que levou o artigo 1da nova Constituição a completar uma afirmação tradicional de muitas Constituições – “todo o poder emana do povo” – com a frase: “que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Na verdade esse pequeno complemento de seis palavras à afirmação tradicional traz consigo uma importante revisão da própria estrutura da nossa democracia, ao fazê-la superar as limitações e mesmo distorções da democracia unicamente representativa que existia antes de 64.  

Infelizmente no entanto não conseguimos tornar efetiva a possibilidade de usar dois desses instrumentos: o plebiscito o referendo. Eles permitiriam diminuir o distanciamento, após as eleições, de representantes e representados. Eles seriam também essenciais em decisões polêmicas e com repercussões mais graves e profundas na vida das pessoas. O próprio povo seria chamado a decidir de forma direta, no uso pleno de sua soberania. Seu uso bloquearia também a consolidação de uma “classe política” profissional, que só ouve o povo, quando efetivamente o faz, em períodos eleitorais, e tende a ceder à tendência perversa de legislar – e governar – em causa própria ou atendendo aos interesses dos financiadores de suas campanhas, sem atentar para os interesses gerais. Mas a resistência a esses instrumentos na Constituinte foi muito forte, e afinal se obteve que eles fossem previstos mas para serem usados somente com autorização do Congresso, o que na prática, como sabemos, os inviabilizou. Eles se transformaram em letra morta.  

A participação popular no pós constituinte

Terminado o esforço dos cidadãos e cidadãs que tinham se empenhado de corpo e alma na enorme mobilização exigida pela Constituinte, para eles veio o tempo do descanso, da volta às casas. E o país entrou na rotina da democracia, com as mil peripécias, tristezas e alegrias, sobressaltos e solavancos, previsíveis e imprevisíveis, que ela sempre comporta na vida social, econômica e política.

Mas começaram a ser ocupados os postos que a nova Constituição abrira para a participação popular na gestão e no controle de organismos de governo. E os Plenários Pró-Participação Popular na Constituinte retomaram suas atividades onde foi possível e com maior ou menor sucesso, na readequação das Constituições Estaduais e em seguida das Leis Orgânicas Municipais frente à nova Constituição federal. 

Um dos novos instrumentos de participação popular criados, a Iniciativa Popular de Lei, começou também a ser usado: quatro anos depois da promulgação da Constituição deu entrada no Congresso um projeto de lei dos movimentos de moradia, criando um Fundo Nacional da Moradia; um pouco antes dera entrada no Congresso um projeto de lei encabeçado por uma autora de novelas televisivas,[29] atribuindo o caráter de hediondo a crimes como o que vitimara sua filha atriz. Uma dificuldade no uso desse instrumento de participação começou também a ser constatada, devido ao elevado número de assinaturas exigidas, com qualificação quase completa dos subscritores.

Essa dificuldade foi menor no caso do projeto sobre crimes hediondos, cuja motivação tinha tido pouco antes muita repercussão na TV. Mas para ambos constatou-se que era impraticável verificar a validade das assinaturas, vindas de todo o Brasil. O governo encampou então o projeto sobre crime hediondo que passou a ser projeto do Executivo e foi rapidamente aprovado[30]. No caso do projeto sobre a moradia, o procedimento usado foi o mesmo adotado com as Emendas Populares na Constituinte que não tinham preenchido os requisitos para serem aceitas: ele começou a tramitar como projeto parlamentar, assumido por um deputado [31]. Mas levou 14 anos para ser transformado, finalmente,  na Lei que criou o Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social[32].

Ainda no fim da década de 90, outro projeto de lei de iniciativa popular deu entrada no Congresso. O projeto coibia a compra de votos de eleitores e fora encabeçado pela Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a partir da discussão de práticas eleitorais na Campanha da Fraternidade da CNBB sobre Fraternidade e Política. Dez anos depois ainda outro projeto, que resultou na Lei da Ficha Limpa, foi apresentado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, nascido da mobilização havida em torno do projeto coibindo a compra de votos e nele do qual participavam  dezenas de entidades entre as quais a CBJP.  Este projeto de iniciativa popular contou também com o apoio unânime da Assembleia Geral da CNBB. Ambos exigiram no entanto quase dois anos cada um para a coleta do mais de um milhão de assinaturas necessárias, mas suas tramitações foram relativamente rápidas, especialmente o primeiro[33]. A Lei que que pune a compra de votos [34] teve resultados imediatos na campanha eleitoral seguinte e a Lei da Ficha Limpa[35], [36] tornou-se uma das Leis mais conhecidas no país, com grande repercussão na luta pela qualificação ética de nossos parlamentares e governantes em geral.

É importante notar que os promotores das Leis sobre compra de votos de eleitores e da Ficha Limpa se valeram do aprendizado com a Iniciativa Popular de Lei sobre Moradia, que havia tramitado 14 anos: então, em vez de propor que parlamentares isolados as encampassem, eles o propuseram a coletivos de parlamentares, de diferentes partidos (em torno de 10 no primeiro e mais de 20 no segundo), o que deu mais força para sua tramitação. E se dispuseram a acompanhar passo a passo essa tramitação, desobstruindo, pela participação nas negociações, o que pudesse interrompê-la, ou simplesmente resolvendo problemas burocráticos. Eles se valeram assim da experiência vivida na própria Constituinte, em que prosperaram emendas populares assim acompanhadas em sua tramitação, enquanto outras, embora apoiadas por grande número de subscritores, foram afogadas pelos representantes dos interesses que elas contrariavam. O caso mais exemplar desse penoso resultado foi o da Emenda Popular da Reforma Agrária. Apresentada com mais de um milhão de assinaturas, ela foi praticamente anulada pela ação dos Constituintes que hoje integram a poderosíssima bancada ruralista do Congresso.

O que se aprendeu também com as quatro Iniciativas transformadas em lei e com as que ainda estão circulando foi seu precioso papel como instrumento pedagógico para a formação política das cidadãs e cidadãos. Cada projeto de lei de Iniciativa Popular trata necessariamente de uma modificação ou acréscimo na estrutura legal do país. Compreendê-la significa portanto saber mais sobre direitos e deveres da cidadania, sobre normas de vida coletiva, funções e estruturas do Estado. Os cidadãos e cidadãs que colhem assinaturas tem que se tornar capazes de explicar do que se trata para obter a adesão de subscritores, enquanto estes, por sua vez, tem que entender bem a proposta da lei para aderir ou não ela. Cada assinatura colhida cria portanto um momento de discussão e reflexão política.

Os dois projetos, coibindo a compra de votos e o da Ficha Limpa, demonstraram claramente – e esta é uma constatação especialmente importante –  que o uso da Iniciativa Popular era uma forma eficaz de desbloquear o exame, no Legislativo, de questões que interesses partidários e pessoais consolidados não permitiam que fossem abordadas. Na verdade ambos constituíram um pequeno avanço na Reforma Política pela qual todo o Brasil clama.

Mas o sucesso da Iniciativa que levou à Lei da Ficha Limpa motivou o surgimento de um grande número de outras que circulam hoje pelo Brasil afora, buscando subscritores. Dentre essas muitas, há uma bastante ampla exatamente sobre a Reforma Política, lançada por uma grande Coalizão de organizações sociais[37]. Esse tema está na verdade encalacrado no Congresso que sempre que o aborda não consegue senão modificar detalhes da Lei Eleitoral (muitas vezes só para facilitar a reeleição de seus membros…). Levanta-se até a necessidade de se convocar uma nova Constituinte tendo como objeto exclusivamente a Reforma Politica. E na perspectiva de fazer valer a vontade da sociedade, há também Iniciativas Populares de Emenda à Constituição, o que esta não autoriza, apesar das tentativas feitas na Constituinte para abrir essa possibilidade.

Para que as Iniciativas Populares de Lei não percam sua atração como instrumento de participação, por causa do esforço exigido na coleta de assinaturas, surgiram propostas que tramitam no Congresso para diminuir esse esforço reduzindo o número necessário, além de outras exigências. Elas não chegaram ainda, no entanto, a mobilizar o apoio de muita gente. Uma boa redução do número de assinaturas necessárias seria de fato muito bem-vinda. Isto diminuiria também o desgaste que a própria Iniciativa sofre, pela demora em se conseguir o número suficiente de assinaturas. Mas o mesmo não se pode dizer de propostas, igualmente ainda não aprovadas no Congresso, que buscam simplificar e dar maior rapidez à coleta através do uso da Internet. Elas fazem com que se perca a dimensão pedagógico política das Iniciativas Populares de Lei. Na Internet, agora mais accessível, vem se multiplicando petições que exigem, para serem subscritas, uma rápida leitura do seu conteúdo e um toque no teclado do computador. Se aprovada essa opção, que não exige maior engajamento político com o conteúdo da proposta subscrita, ela empobrecerá o processo e contribuirá para aprofundar a cultura de superficialidade e isolamento criada, nos dias de hoje, pela expansão de redes sociais apoiadas unicamente em aplicativos de computadores e celulares.

Concluindo, as Iniciativas Populares de Lei podem portanto ser saudadas como uma inovação importante da Constituição de 1988, ainda que de demorado efeito, que conseguiu se concretizar.

Palavras finais – do entusiasmo à frustração e à desesperança?

Sem dúvida a apresentação da participação popular na Constituinte de 1987-1988 no Brasil, feita nas páginas precedentes, está impregnada pelo entusiasmo vivido pelos brasileiros nos quase dois anos que durou seu esforço de intensa participação, empenhando-se de corpo e alma no processo de elaboração de uma nova Constituição que expressasse todos os anseios abafados em seus corações durante os vinte anos da ditadura militar que ali se extinguia. Esse entusiasmo alimentou o alento dos vinte anos seguintes, em que os instrumentos de participação popular criados pela Constituinte começaram a ser experimentados, com muitos resultados positivos e promissores, num aprendizado de suas potencialidades e descoberta das suas limitações e dificuldades, a corrigir e a superar.

Eis no entanto que, em tempos de comemoração dos trinta anos da Constituição de 88, nos solavancos normais da continuidade democrática, que parecia definitivamente em curso de consolidação, nos vemos todos no Brasil imersos numa crise sem precedentes – social, política, econômica – que pode fazer desmoronar tudo que se construiu. Os fragmentos e estilhaços da destruição estão levando de roldão os nossos sonhos, até incrivelmente com pretensões de volta a um regime ditatorial, estimuladas por grupos sociais e pessoas que parecem não ter a lembrança nem a consciência da dureza humana da lógica e da cultura militar.

O desmoronamento põe em situação de risco todos os Poderes da Republica, a começar pelo Executivo cujo Chefe, alvo de muitas acusações, se vê rejeitado, segundo as pesquisas de opinião, por grande maioria da população. Fendas profundas estão destruindo celeremente o Poder Legislativo, em sua instância mais alta que é o Congresso Nacional, e estão atingindo o Poder Judiciário, que parecia até há bem pouco tempo imune ao contagio desagregador do descrédito.

Como sabemos, num Estado de Direito o Poder decisivo é o Legislativo, que discute e aprova as Leis que todos têm que respeitar. O Executivo dele depende para dispor das Leis que o autorizarão a agir, e será por ele destituído se desrespeitar alguma Lei vigente. O Judiciário julga os conflitos e os crimes a partir do corpo de Leis que o Legislativo aprova.

Mas o Legislativo tem todo esse poder exatamente porque representa o povo, legislando e fiscalizando o Executivo em nome dele. Por isso sua representatividade é essencial, mas hoje essa representatividade se vê bastante falseada e isso é muito grave. Ulisses Guimarães, quando foi promulgada a Constituição de 1988, referindo-se aos 12 milhões de assinaturas apostas em Emendas Populares, disse, como já citei:  “Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fabrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade do texto que ora passa a vigorar.”[38] Mas o poder de decisão estava nas mãos dos Constituintes, que em princípio representavam ou defendiam os interesses desses segmentos sociais. Onde estão eles hoje? Quem os membros do nosso Congresso representam nos dias de hoje, com os 266 membros da bancada ruralista, seus empresários em número várias vezes maior do que o de representantes de trabalhadores, com suas poucas mulheres e com poucos negros e quase nenhum indígena?

A corrupção, por outro lado, problema secular do Brasil, parece ter invadido o Congresso, adensando um já forte entrelaçamento oligárquico de parte significativa dos seus membros com o Poder Executivo, com os meios de comunicação de massa por ele protegidos e controlados, com as empresas públicas e privadas e seus negócios internacionais e com financiadores de campanhas eleitorais, como demonstra o fato de metade dos deputados e senadores (238) da atual legislatura (2015-2018) responderem a processos investigatórios do Supremo Tribunal Federal[39] e alguns deles até já terem sido recolhidos a prisões – dividindo celas com diretores de empresas e altos funcionários a eles ligados.

Sem esquecer que há muitos congressistas que honram o seu mandato as alianças daqueles que têm maus propósitos com prefeitos e vereadores para montar feudos eleitorais são bem azeitadas com os recursos públicos obtidos por meio de emendas parlamentares ao orçamento. Os partidos, por sua vez, foram esvaziando seus objetivos programáticos e se multiplicando (hoje há 35 partidos registrados e 73 em formação)[40], e funcionam mais como máquinas eleitorais e de captação de recursos do que como partidos. Muitos mandatos passaram a pertencer a famílias ou a grupos políticos.

Coroando tudo, uma boa quantidade de aproveitadores e oportunistas descobriram que o enriquecimento pessoal não teria limites se utilizassem todo o poder do Congresso para chantagear o Executivo ou as empresas. As maiorias que com eles se formam se tornam avassaladoras, e ao longo deste último ano impuseram e continuam impondo “democraticamente” ao povo a destruição de suas conquistas na Constituinte, sem nem se dar ao trabalho de consultá-lo. Em suma, o Congresso foi aos poucos deixando de representar o povo e passou a representar a si mesmo e aos interesses mais poderosos. E a Câmara, uma de suas Casas, foi capaz de dar a todo o povo brasileiro, pela TV e ao vivo, um triste e incrível espetáculo de despreparo político, quando votou a autorização para processar a Presidente Dilma Rousseff.[41]

Se tais práticas não são novas no Brasil e existiam antes mesmo da ditadura militar, é triste constatar que até na Constituinte elas se verificaram, como indica um estudo da Fundação Getúlio Vargas sobre a Constituinte de 1987-1988:[42]: “A participação do governo federal foi decisiva para a reviravolta regimental, ao fortalecer as lideranças do emergente Centrão. Os recursos políticos disponíveis — cargos, verbas, concessões de rádio e TV —, ora como fator de aliciamento, ora como fonte de pressão, foram fundamentais para a conversão ao grupo de parte do plenário. Para a ação sobre a bancada do PMDB, alguns governadores do partido contribuíram decisivamente”.  

 Se ainda houver espaço no entanto para a participação popular nas decisões tomadas no país, pois é disto que este texto trata, será no Congresso que ela poderá se concretizar, a partir dos instrumentos criados na Constituinte. Mas com o atual descrédito do Congresso é a própria atividade política que se desvaloriza. Muitos dos que viveram positivamente a experiência dos tempos da Constituinte já não estão entre nós, outros se adaptaram às práticas distorcidas que a luta política foi impondo, muitos outros perderam a esperança. Somando-se às novas gerações desinformadas e não alcançadas por movimentos políticos, a tendência que pode predominar na população em geral é o ceticismo e a omissão, que politicamente é o pior dos pecados[43]. Situação essa agravada por uma dificuldade de diálogo e por um aumento da intolerância que divide o país em campos que parecem irreconciliáveis.

Não está no escopo deste trabalho pretender indicar saídas para essa tão grave situação. Mas se pode reforçar o que vem sendo proposto por alguns movimentos e organizações sociais: escapar da pressão da tradição brasileira de só pensar e discutir quem deve ser eleito para a Presidência da Republica e passar a  escolher cuidadosamente o deputado federal e o senador em quem votar.[44]

Trata-se de um desafio na verdade muito grande, com um Ex-presidente da Republica candidato a Presidente possivelmente impedido de concorrer por força da lei da Ficha Limpa; sendo ele, ademais, o candidato que se encontra bem à frente dos demais nas pesquisas de opinião. Pior ainda: ele foi preso em cumprimento de pena apesar da vigência no país do princípio universal da Presunção de Inocência, incorporado à Constituição. E seu encarceramento provocou uma mobilização intensa de seus apoiadores de todo o Brasil e mesmo internacional para libertá-lo, assim como uma divisão ainda maior dos brasileiros. Esse fato tornou muito difícil refletir de maneira preferencial sobre os deputados e senadores em quem votar.

Que a rememoração dos tempos construtivos vividos pelo Brasil no processo de elaboração da Constituição de 1988, objetivo deste livro, nos ajude a reencontrar o caminho do diálogo e da tolerância essenciais à construção da democracia, que conseguimos viver durante os quase dois anos da Constituinte com participação popular, pelo bem de todos nós, mas especialmente dos milhões de brasileiros relegados num apartheid que faz do Brasil um dos países com maior desigualdade social no planeta Terra.

São Paulo, 20 de maio de 2918.


[1]            Editora Paz e Terra, 1989

[2]              Livraria e Editora Lumen Juris Lta, 2017

[3]            Emenda no. 2P02036-4, votada e não aprovada no dia 27 de janeiro de 1988, sendo a primeira derrota do “Centrão”,  segundo a obra citada “ Participação Popular na Constituinte de 1987-1988”.

[4]            Citado em Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, Rodrigo Mendes Cardoso, Editora Lumen Juris Ltda, 2017

[5]            . Embora nos dias de hoje já se saiba, pela liberação de documentos sigilosos do governo dos Estados Unidos, que o governo que iniciou a abertura manteve a política do regime quanto a “execuções sumárias” de opositores.

[6]            Citado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas,/acervo/dicionarios/verbete-tematico/assembleia-nacional-constituinte-de-191987-1988, colaboração especial de André Magalhães Nogueira 

[7]            . João Belchior Marques Goulart, do Rio Grande do Sul, conhecido como “Jango”, advogado. Antes de ser Vice-Presidente de Jânio Quadros,  foi Vice-Presidente de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961. Foi eleito em 1956 com mais votos que o próprio Presidente (https://pt.wikipedia.org)

[8]            . Jânio da Silva Quadros, advogado e professor de São Paulo, famoso ao usar nas campanhas eleitorais a vassoura como símbolo de combate à corrupção.

[9]            . A intensa propaganda anticomunista desenvolvida ao longo dos 44 anos da Guerra Fria penetrou fundo em mentes  e corações de grande parte dos habitantes dos países do Terceiro Mundo, como foi o caso do Brasil, fazendo com que  fantasmas infelizmente ainda hoje ressurjam entre nós, defendendo a volta dos militares frente ao “perigo comunista”.

[10]         . Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas,/acervo/dicionarios/verbete-tematico/assembleia-nacional-constituinte-de-191987-1988, colaboração especial de André Magalhães Nogueira.

[11]          . Ernesto Beckman Geisel, General do Exército Brasileiro, do Rio Grande do Sul.

[12]          . Gofredo da Silva Telles Junior, advogado, jurista e professor universitário, de São Paulo.

[13]          . João Baptista de Oliveira Figueiredo, General do Exército Brasileiro, do Rio de Janeiro.

[14]          . Tancredo de Almeida Neves, advogado, de Minas Gerais, ex-deputado, ex-senador, ex-ministro, ex-governador, ex-primeiro ministro no curto período de regime parlamentarista do Brasil.

[15]          . Cidadão Constituinte, a saga da Emendas Populares, Editora Paz e Terra, 1989

[16]          . Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE (http://ibase.br)

[17]         . D.Mauro e Betinho posteriormente se empenharam em grandes campanhas nacionais de luta contra a fome.

[18]          . Fotos no livro Cidadão Constituinte, a saga da Emendas Populares, Editora Paz e Terra, 1989.

[19]          . Os nomes “polaca” e “super polaca” se originaram do fato dessas Constituições se inspirarem no regime semifascista polonês de então; e o nome “Estado Novo” era o do regime implantado em Portugal pela ditadura de Salazar.

[20]   Afonso Arinos de Melo Franco, de Minas Gerais, jurista, historiador, professor, ex-senador, ex-ministro, signatário em 1943 do Manifesto dos Mineiros pelo fim do Estado Novo de Getúlio, membro da Academia Brasileira de Letras.

[21]   Cidadão constituinte, a saga das emendas populares. Editora Paz e Terra, 1989 

[22]            Consta que uma vez instalada a Constituinte em janeiro de 1987, ocasião em que Sarney deveria lhe encaminhar o ante-projeto da Comissão Arinos, ele não o fez porque preferiu não criar uma crise, ao saber que Ulisses Guimarães, já eleito Presidente da Assembleia Constituinte, o devolveria, por razões de diversos tipos, entre as quais a de considerar esse ante-projeto uma intromissão indevida do Executivo nos trabalhos da Constituinte. (Senado Noticias, www12.senado.leg.br).

[23]          . O trabalho da Assembleia Constituinte se iniciou com 24 Subcomissões temáticas, agrupadas em 8 Comissões Temáticas.

[24]   “Audiências revelaram retrato do Brasil”, Jornal do Brasil, edição de 7 de maio de 1987

[25]          . Essas e muitas outras informações podem ser encontradas em livro publicado por ocasião do vigésimo aniversário da Constituição de 88, especificamente sobre as audiências públicas, pelo Centro de Informação e Documentação da Câmara dos Deputados: Audiências Públicas na Assembleia Nacional Constituinte – A sociedade na Tribuna, Centro de Informação e Documentação, Edições Câmara, Brasília, 2009.

[26]         . Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, Rodrigo Mendes Cardoso, Editora Lumen Juris Ltda, 2017

[27]        . Logo depois de eleito com enorme votação, o Senador Mario Covas se comprometera a apoiar essa proposta em debate com animadores do Plenário em programa televisivo ao vivo da TV Cultura, em São Paulo.

[28]         . Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, Rodrigo Mendes Cardoso, Editora Lumen Juris Ltda, 2017.

[29]   Glória Perez, autora de novelas da Globo.

[30]           Lei No. 8.072 de 25 de Julho de 1990.

[31]   Deputado Nilmario Miranda, do PT de Minas Gerais

[32]                 Lei No.11.124 de 16 de Junho  de 2005

[33]   Essa Lei, dificilmente recusável, porque indicaria que o deputado que a rejeitasse pretenderia comprar votos para ser eleito, foi aprovada e promulgada no prazo recorde de sete semanas. O próprio Presidente da Republica, Fernando Henrique Cardoso, conseguiu promulgá-la um dia antes do prazo final para que valesse nas eleições seguintes, para evitar surpresas na gráfica do Diario Oficial que pudessem ser interpretadas como intervenção sua para que a lei só viesse a vigorar dois anos depois.

[34]   Lei 9840 de 1997.

[35]   A Lei da Ficha Limpa, que muitos parlamentares diziam jocosamente que era mais difícil de ser aprovada que uma vaca voar, exigiu sete meses para tramitar pela Câmara e Senado. Ela foi promulgada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e saudada por muitos políticos como uma grande vitoria democrática.

[36]   Lei Complementar nº. 135 de 2010.

[37]        “Por uma Reforma Política Democrática e Eleições Limpas” (www.reformapoliticademocratica.org.br)

[38]          Citado em Participação Popular na Constituinte de 1987-1988, Rodrigo Mendes Cardoso, Editora Lumen Juris Ltda, 2017

[39]   Levantamento da revista Congresso em Foco (http://congressoemfoco.uol.com.br)

[40]   Segundo o Tribunal Superior Eleitoral–TSE há 35 partidos registrados e 73 em processo de formação ( http://www.tse.jus.br)

[41]   Dilma Vana Rousseff, economista, nascida em Minas Gerais mas radicada no do Rio Grande do Sul, ex-ministra no Governo Lula.

[42]           Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas,/acervo/dicionarios/verbete-tematico/assembleia-nacional-constituinte-de-1987-88, colaboração especial de André Magalhães Nogueira.

[43]          . Conteúdo de frase do Cardeal D.Paulo Evaristo Arns, de São Paulo, no lançamento da Campanha da Fraternidade de 96 da CNBB, sobre Fraternidade e Política.

[44]          . https://www.umnovocongresso.org.br